terça-feira, 8 de novembro de 2011

Os Gêneros do Discurso sob a Perspectiva de Bakhtin: Conceitos, Relações e Metodologia
Bakhtin (2000) postula que o uso da linguagem em determinados contextos situacionais e
culturais e em diferentes esferas sociais de ação lingüística se dá por meio de enunciados orais,
escritos (concretos e únicos). Segundo o autor (idem, p. 279), “o enunciado reflete as condições
específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por
seu estilo verbal, [...] mas também, e sobretudo, por sua construção composicional”. Dessa forma,
entendemos que os gêneros são enunciados que envolvem tema, estilo e composição estabilizados
e tipificados pela interação da qual fazem parte.
Diferentes esferas sociais comportam diferentes gêneros do discurso. Estes são
heterogêneos e sociofuncionais, se determinando e se regularizando a partir das diversas práticas
sociais das quais são elementos constituintes.
Além disso, o sentido dos gêneros se constrói em nossas relações dialógicas interpessoais,
sendo determinadas pela ocasião social, pelos interlocutores da interação e pela esfera social da
qual a comunicação se desenvolve. Entende-se, sob essa perspectiva, que os elementos do enunciado (índices de totalidade – tema, estilo e composição) se tipificam socialmente
constituídos por determinadas condições sociais de produção inseridas em interações específicas.
Cada gênero se insere em interações, cujos contextos situacionais são responsáveis pela
determinação dos enunciados. “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo
determinam completamente e, por assim dizer, a partir de seu próprio interior, a estrutura da
enunciação. [...] A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo
ocasionais da enunciação”. (Bakhtin, 1981, p. 113-114). Para Bakhtin (idem), os gêneros
pressupõem comunicação, relações interpessoais, interação concreta e situação extralingüística.
Sob essa perspectiva, o autor propõe que estudemos a linguagem a partir de uma ordem
metodológica que privilegie: “(1) as formas e os tipos de interação verbal em ligação com as
condições concretas em que se realiza; (2) [...] as categorias dos atos de fala a vida e na criação
ideológica [...] e (3) [...] exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual” (p.
124).
É pertinente também pensarmos na evolução dos gêneros ao longo da história. Diversas
foram as transmutações que produziram diferentes gêneros para diferentes contextos de interação. Os gêneros possuem plasticidade e fluidez, fazendo com que se modifiquem e evoluem de acordo
com a transformação ou (re)construção das diversas práticas sociais. Bakhtin (1981, p. 43) afirma
que, “[...] cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na
comunicação sócio-ideológica”. Marcuschi (2005, p. 19) a esse respeito, discute que, “[os
gêneros] devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os aspectos cognitivos, os
interesses, as relações de poder, as tecnologias, as atividades discursivas e no interior da cultura.
Eles mudam, fundem-se, misturam-se para manter sua identidade funcional com inovação
organizacional”.
Voltemos à definição e constituição dos gêneros. Para Bakhtin os gêneros se constroem por
meio da estabilização relativa de tema, estilo e composição de enunciados. Tais elementos
enunciativos se denominam índices de totalidade, pois buscam o acabamento do enunciando por
meio do tratamento exaustivo do (1) objeto de sentido – tema; (2) intuito do locutor – estilo e (3)

formas tipificadas de estruturação do gênero – composição.”É necessário o acabamento2 para
tornar possível uma reação ao enunciado” (Bakhtin, 2000, p. 299).
Tema pode ser compreendido como o objeto de sentido valorado no discurso, isto é, o
conteúdo tematizado que se desenvolve no gênero a partir da interação. O tratamento do tema,
enquanto índice de totalidade, será relativo, já que é determinado pela atitude responsiva do
auditório – “exatamente um mínimo de acabamento capaz de suscitar uma atitude responsiva” (p.300).
O estilo do gênero é determinado por diferentes recursos léxico-gramaticais que estão de
acordo com o tema e com a composição do gênero em uma dada esfera social. O objeto de
sentido também determina o estilo, procurando, por meio de diferentes recursos lingüísticos,
atingir os objetivos do locutor. Segundo Bakhtin (2000, p. 283-285),
“o estilo está dissoluvelmente ligado ao enunciado e a formas típicas de enunciados isto é, aos
gêneros do discurso. [...]; o estilo lingüístico ou funcional nada mais é senão o estilo de um
gênero peculiar a uma dada esfera da atividade e da comunicação humana. Cada esfera conhece
seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. [...]
O estilo é indissociavelmente vinculado a unidades temáticas determinadas e, o que é
particularmente importante, a unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de
um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da comunicação verbal [...] O estilo
entra como elemento na unidade de um gênero de um enunciado”
Quanto à composicionalidade, entende-se como a forma do gênero na qual os enunciados
são construídos nas diversas interações interpessoais. A composicionalidade aliada ao estilo e
tema dos enunciados estabilizados em gêneros resulta no reconhecimento de práticas tipificadas,
tornando a interação compreensível aos interlocutores.
A esse respeito Bakhtin (2000, p. 301-302) argumenta que, “as formas da língua e as
formas mais típicas de enunciados, sito é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa
2 Segundo Bakhtin (2000, p. 299), o termo acabamento pode ser entendido como, “alternância
dos sujeitos falantes vista do interior; essa alternância ocorre precisamente porque o locutor disse (ou escreve) tudo o que queria dizer num preciso momento e em condições precisas”. experiência e em nossa consciência [...] Os gêneros do discurso organizam nossa fala [...]
Aprendemos a moldar nossa fala às formas dos gêneros [...]”.
Bakhtin (idem) reforça a compreensão dos gêneros enquanto reguladores, regularizadores e
legitimadores das ações sociais mediadas pela linguagem por meio de enunciados em
determinadas interações sociais. Dessa forma, os gêneros apresentam-se como dados de
reconhecimento de práticas sociais já que, “ao ouvir a palavra do outro, sabemos de imediato [...]
o gênero” (p. 302). Bazerman (2006, p. 23) a esse respeito, afirma que, “os gêneros moldam os
pensamentos que formamos e as comunicações através das quais interagimos. Gêneros são os
lugares familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os
outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não familiar”.
Percebe-se que os gêneros não apenas funcionam como recursos de reconhecimento e significação social para as práticas lingüísticas recorrentes nas interações, como também
funcionam como recursos sociocognitivos para as ações não-familiares. Nas diversas esferas
sociais, a emersão de gêneros se dá de forma criativa e plástica.
Os gêneros surgem assim como se criam outras práticas de interação por meio da
linguagem; modificam-se ao passo que estas práticas sofrem (re)construções. Os gêneros estão
concomitantemente aliados às mudanças sociais. A diversidade e dinamicidade dos gêneros são
fenômenos inerentes a sua constituição. “[gêneros] são mais maleáveis, mais plásticos e mais
livres do que as formas da língua. [...] A diversidade [dos] gêneros deve-se ao fato de eles
variarem conforme as circunstâncias, a posição social e o relacionamento pessoal dos parceiros
[...]” (Bakhtin, 2000, p. 302).
Sob essa perspectiva, entender a escrita como processo psicossocial, é entendê-la enquanto
processo psíquico (ativação de diferentes processos neurofuncionais) e sociológico (já que se
constitui e funciona por meio de diferentes interações sociais). O ensino/aprendizagem da escrita
deve apresentar-se subordinado à consideração do gênero como subsidio para a compreensão de
uma prática docente situada (Kleiman, 2006), pressupondo atividades contextualizadas que
procurem investigar não apenas recursos lingüísticos, discursivos e contextuais do texto, mas
também (re)construa a noção de escrita enquanto agência social.
Entendamos que, “uma visão social da escrita, contudo, pode nos ajudar a desenvolver uma
pedagogia que ensine os alunos que gêneros são não somente formas textuais, mas também
formas de vida e ação. [...] A abordagem social de gênero transforma-o em uma ação social, e
assim em uma ferramenta de agência” (Bazerman, 2006, p. 19). Visto algumas considerações
teóricas sobre os gêneros do discurso, direcionemos a discussão para o ensino de escrita com base
nos gêneros; a escrita como ação social situada, isto é, enquanto agência social.

Nenhum comentário:

Postar um comentário