terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

NOVAS PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA: LETRAMENTO NA CIBERCULTURA


http://www.scielo.br/pdf/es/v23n81/13935.pdf

MAGDA SOARES - (Professora Titular Emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas)


RESUMO: No contexto de uma diferenciação entre a cultura do
papel e a cultura da tela, ou cibercultura, o artigo busca uma melhor
compreensão do conceito de letramento, confrontando
tecnologias tipográficas e tecnologias digitais de leitura e de escrita,
a partir de diferenças relativas ao espaço da escrita e aos mecanismos
de produção, reprodução e difusão da escrita; argumenta que
cada uma dessas tecnologias tem determinados efeitos sociais,
cognitivos e discursivos, resultando em modalidades diferentes de
letramento, o que sugere que a palavra seja pluralizada: há
letramentos, não letramento.
Palavras-chave: Letramento. Cultura do papel. Cibercultura. Práticas
de leitura. Práticas de escrita.
NEW READING AND WRITING PRACTICES:
LITERACY IN THE CYBERCULTURE
ABSTRACT: In the context of two different cultures – print culture
and electronic culture, or cyberculture –, this article seeks a
clearer comprehension of literacy opposing typographic and digital
technologies of reading and writing. Through the differences
regarding the writing space and the mechanisms of producing, reproducing
and diffusing ideas, it argues that different kinds of literacy
– that is, different social, cognitive and discursive effects –
have resulted from such different modalities of written communication.
Since literacy is not a single, homogeneous phenomenon, it
finally suggests this word should be used in its plural rather than
singular form: literacies.
Key words: Literacy. Print culture. Cyberculture. Reading practices.
Writing practices.
Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002 143
Disponível em

mais informações acesse: http://www.scielo.br/pdf/es/v23n81/13935.pdf

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Bibliografia - Novas tecnologias de informação e comunicação e o ensino da língua


ALMEIDA, F. J. de. Programa Aprender em Parceria: guia de implementação local. São Paulo: Microsoft Educação, 2005.

  • ______. Educação a distância: formação de professores em ambientes virtuais e colaborativos de aprendizagem. Projeto Nave. São Paulo: [s.n.], 2001.
  • ______. ALMEIDA, M. E. B. Tecnologia e educação a distância: abordagens e contribuições dos ambientes digitais e interativos de aprendizagem. In: 26ª Reunião da ANPED – Associação Nacional de Pesquisa em Educação, Poços de Caldas, 2003.
  • FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
  • FRANCO, M. G. et al. A formação de professores em parceria apoiada por objetos digitais de aprendizagem. São Paulo: [Mimeo], 2007.
  • HARGREAVES, A. O ensino como profissão paradoxal. Revista Pátio, Porto Alegre: ano IV, n. 16, fev./abr. 2001.
  • MASETTO, M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: BEHRENS, M. A.; MASETTO, M. T.; MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 12. ed. Campinas: Papirus, 2000.
  • PERRENOUD, P. Dez novas competências para uma nova profissão. Revista Pátio, Porto Alegre: ano V, n. 17, maio/jul. 2001.
  • MORAN, J. M. Novos espaços de atuação do professor com as tecnologias. São Paulo: Papirus, 2004.
  • PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
  • LÉVY, P. A tecnologias da inteligência. São Paulo: Ed. 34, 1995.

Curiosidades gerais

Paulo Freire foi o educador que mais pensou na educação como forma de libertação. Com reconhecimento internacional, suas obras apresentam uma concepção de educação para o mundo e para a vida a partir de uma visão humanizadora, por meio da qual o homem, que faz parte da História, constrói e reconstrói sua própria história.

Sua experiência com alfabetização de jovens e adultos na década de 1960 ganhou expressão mundial pela sua dimensão crítica e política, e pelo método adotado, no qual jovens e adultos analfabetos se alfabetizaram a partir de conteúdos e reflexões sobre seu próprio cotidiano. É uma das referências mais importantes para a educação, especialmente Educação de Jovens e Adultos na América Latina e no mundo.

Freire pregou, em toda a sua trajetória, que a autonomia é a base para a construção do conhecimento e da liberdade. As TICs podem ser um instrumento facilitador para essa visão freireana.

Importante ressaltar

O ambiente virtual pode proporcionar um universo infinito de possibilidades de pesquisa e de consulta; todavia, nem toda informação encontrada provém de fonte confiável, pois, como qualquer pessoa pode postar conteúdo na Internet, nem sempre o que está dito é de fato verdadeiro.

Ensinar os alunos a verificar a veracidade das informações pesquisando a fonte é uma obrigação dos professores. Apontar exemplos de conteúdos falsos é a melhor maneira de fazer com que os alunos tenham consciência do que encontram no ambiente virtual. Indicar sites que possuam informações confiáveis, como sites oficiais, facilita a pesquisa do aluno.

Os professores precisam estar atentos em utilizar o computador de forma coerente e reflexiva. Para que isso ocorra, é imprescindível construir um caminho de formação docente que os leve a se apropriarem dos conceitos tecnológicos e a fazerem uso deles de forma construtiva, criativa e crítica.

Segundo Perrenoud (2000, p.128), é necessário formar senso crítico, pensamento hipotético e dedutivo; desenvolver as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação; desenvolver a capacidade de memorizar e de classificar a leitura, de analisar textos e imagens, de representar redes, procedimentos e estratégias de comunicação. O professor é um agente multiplicador do processo educativo. Portanto, para que os alunos sejam bem formados, os professores devem estar bem capacitados. Para isso, é preciso investir na formação do professor, propiciando o desenvolvimento de sua capacidade crítica, reflexiva e criativa.

Como aproveitar a utilização que os alunos já fazem da Internet

Ao utilizar a Internet, os jovens optam por navegar em sites de relacionamento, pois o ambiente virtual é muito adequado quando o objetivo é conhecer pessoas e esse é o período em que eles precisam estar em turma, com amigos.


Nessas redes sociais, os jovens, na maioria das vezes, se comunicam por meio da língua escrita. Utilizam uma linguagem peculiar, chamada de internetês, com ortografia e gramáticas específicas. Em sala de aula, podemos usar essa linguagem para trabalhar o conceito de variante linguística, aproveitando, consequentemente, para apresentar a variante formal da língua.


Outro ambiente bastante visitado pelos jovens é o de sites que disponibilizam vídeos caseiros e profissionais sobre diversos temas. Orientá-los a consultar alguns temas nesses sites pode ser uma tarefa muito produtiva

Como utilizar as TICs no ensino de Língua Portuguesa?

Leitura - por possuir opções de interação e facilidade de pesquisas, a possibilidade de leitura por meio da internet torna-se mais atraente. O hipertexto favorece um movimento de leitura mais significativo. Enquanto se lê pode-se buscar mais dados que o auxiliem na ampliação do conhecimento a respeito do assunto tratado. Por exemplo se o aluno está lendo uma aventura que acontece em Milão, pode, sem sair de casa de onde está, buscar mais informações sobre a cidade; ou então, se o leitor participa de uma comunidade virtual, ele pode trocar ideias com outros leitores ou até mesmo com o autor do texto, devido as facilidades de comunicação que essa mídia favorece.

Literatura - há atualmente, uma grande oferta de obras literárias digitalizadas. Podemos encontrar também poemas declamados e várias informações a respeito das obras e de seus autores e dos períodos históricos em que cada obra está contextualizada. A facilidade de pesquisa oferecida pela internet faz com que o aluno possa conhecer uma vaiedades de generos de textos ou várias leituras do mesmo assunto.

Escrita - as possibilidades de correção e reescrita que o editor do texto fazem com que o trabalho de prodição de texto, se torne mais atraente para o aluno. Se quando escreve manualmente o aluno é obrigado a reescrever todo o texto caso queira remover algum parágrafo ou fazer correções, por meio do computador ele pode utilizar recursos que facilitam muito a organização do pensamento. Além disso, o autor pode realizar pesquisas para captar conteúdos que auxiliem na expressão de suas ideias.


Possibilidades oferecidas pelas TICs

Antes de apresentarmos a proposta, cabe levantarmos algumas das possibilidades que são oferecidas pelas TICs.

1 - uma grande variedade de programas, de softwares e de sites que provocam a interatividade, participação, criatividade e o interesse do aluno.
2 - o acesso a informações atualizadas, bem como às atualizações históricas.
3- construir e compartilhar conhecimentos atraves das redes sociais e enciclopédias online, livres e colaborativas.
4 - editores de textos que disponibilizam editoração e correção eletrônica : cópias, inclusão, exclusão e reescrita de um texto; possibilidades de diversas formatações, impressão de textos e demais produções.
5 - a possiblidade publicar, melhorar e incrementar trabalhos.
6 - a facilidade de comunicação, em que os alunos podem interagir, trocar experiências e exercitar a coletividade por meio de fóruns de discussão, salas de bate-papo e lista de discussão.

Uma proposta de trabalho por projeto que utilize a nova tecnologia

Atualmente, a escola não satisfaz mais os estudantes e eles não têm interesse nos conteúdos apresentados, pois muitos estão fora de suas necessidades. Conforme estudos desenvolvidos, o trabalho por projetos surge do interesse dos estudantes: buscar o conhecimento suprindo as suas necessidades e, com isso, sua aprendizagem se tornará efetiva e significativa.

O uso da rede mundial de computadores, como ferramenta de grande utilidade para o processo de educação a distância, não deve apenas resolver as questões referentes a distância, mas


deve também, e principalmente, buscar suprir as necessidades de interatividade do aluno com o tema de estudo, bem como valer-se do ferramental tecnológico disponível como forma de aperfeiçoar os aspectos pedagógicos do ensino, permitindo cumprir os principais fatores de uma educação centrada no aprendizado interativo, dinâmico e contextualizado. (SPENNEMANN, 1997)

Utilizar essa ferramenta em favor da educação é o que se propõe. Não queremos que os estudantes se tornem seres isolados, mas sim que se integrem em uma sociedade cooperativa: "aquilo que necessitamos é de um espírito de cooperação tal que cada um compreenda todos os outros" (PIAGET, 1998). Os estudantes poderão, com o uso de um computador ligado à Internet ou não, se comunicar e interagir com outros estudantes, contribuindo para a transformação de todos e formando conceitos.

Os benefícios do trabalho em parceria

Quando se promove uma formação educacional em parceria, os sujeitos trabalham em conjunto para resolver o mesmo problema, em vez de ficarem separados em componentes de cada tarefa a ser realizada. Dessa maneira, cria-se um ambiente rico em descobertas mútuas, feedback recíproco e com compartilhamento frequente de ideias.

Na formação em parceria, há pouco espaço para a competição e muito para a interação entre os sujeitos. A resolução de problemas permite a discussão em equipe, em que as soluções podem ser demonstradas e cada um pode apresentar ao outro a lógica dos seus argumentos. Ela oferece, ainda, a possibilidade de discussão das diferentes maneiras de resolver um mesmo problema e pode facilitar a aprendizagem de diferentes estratégias para a resolução de situações colocadas para os sujeitos.

Quando os professores e os alunos trabalham em parceria, podem ajudar os outros a perceberem os conceitos mais básicos. Todos aprendem dialogando, expondo e pensando juntos. A pesquisa em rede é uma oportunidade rica para desenvolver essas capacidades e, por outro lado, proporciona oportunidades para desenvolver o pensamento criativo, fazer e testar possibilidades.
Para Almeida (2005)
" A formação de docentes se dá entre pares: portanto é preciso que se explicite qual o significado último dessa relação. Não é da instrumentalização dos nossos pares, mas o da sua parendizagem da profissão como prática de uma liberdade. O processo de uma aprendizagem - principalmente entre pares - não é prescritivo " faça-se isso ou aquilo é melhor, dialógico"
A cooperação é inerente à própria atividade humana e particularmente, relevante para a construção consciente do conhecimentos. Essa metodologia de formação estabelece as relações entre os profissionais, criando laços de confiança e reciprocidade imprescindíveis para a transparência na superação dos desafios. Respeita os espaços e os limites da ação pedagógica, criando e recriando possibilidades sobre as reais condições nas quais o professor atua, permitindo que a leitura que esse faz de sua prática seja contextualizada e significativa . Somente quando o professor é capaz de atuar de maneira nova e refletida sobre sua própria ação , de analisar seus procedimentos, olhar o novo, testar, avaliar os resultados, pesquisar e criar é que ele está se formando, a cada dia. Além disso quando as tecnologias o ajudam nesse processo, elas adquirem seu verdadeiro sentido: o de potencializar aquilo que o professor já faz de melhor.




Aprender coletivamente

Algumas práticas

Essa metodologia considera que o processo de formação apoiado por recursos telemáticos pode ser enriquecido por meio do ato construtivo (aprender fazendo) e do trabalho colaborativo (aprender fazendo com os outros).

Baseia-se no pressuposto de que o desenvolvimento e a formação profissional se estendem no tempo, no próprio ambiente de trabalho dos envolvidos, e requerem relacionamentos alicerçados em objetivos comuns, de médio e longo prazo, que exigem confiança mútua e envolvem ação.

Na formação vivenciada em parceria, a via mais importante para a construção do conhecimento é a consciência de cada sujeito sobre seu processo como aprendiz, permitindo uma nova leitura do mundo proporcionada pelos recursos digitais. O trabalho pedagógico em parceria é algo socialmente situado no qual aprender é processo. Isso significa que a aprendizagem em parceria é mediada pelas diferentes perspectivas que existem entre os coparticipantes.

Por onde começar?

Práticas com o uso das TICs

Liberar o contato do aluno com o computador.

Atualmente, os programas de uso dos microcomputadores são praticamente autoinstrucionais. O jovem quando começa "a mexer" em um computador, consegue descobrir vários aplicativos e instrumentos pelo softwares.

Orientar os alunos em suas dúvidas.

Mesmo conseguindo manusear a máquina por meio das instruções de softwares, a presença do professor pode dar mais segurança aos alunos quando encontrarem dificuldades.

Cultuar o sentimento de pesquisa no aluno.

Começar pelo incentivo a pesquisa, que pode ser aberta por meio da internet, pois nela há a liberdade de escolha do lugar ( tema pesquisado livremente) Os alunos também podem ser orientados a fazerem uma pesquisa dirigida, focada em um determinado site. Aos poucos, orientar a pesquisa nos sites de busca, nos bancos de dados e nas bibliotecas virtuais, nos centros de referência. Orientar para que eles pesquisem dos temas mais gerais para os mais específicos para que façam em grupos ou individuais.



COMO COMEÇAR?
INTEGRAR OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO A ESCOLA
Antes de a crinaça chegar à escola ela já passou por processos de educação importantes: pelo familiar e pela mídia eletrônica. No ambiente familiar, a criança vai desenvolvendo as suas conexões cerebrais, os seus roteiros mentais, emocionais e suas linguagens. Os pais facilitam ou complicam, com suas atitudes e formas de comunicação mais ou menos maduras, o processo de aprender a aprender dos seus filhos.
A criança também é educada pela mídia, principalmente pela tv. Aprende a informar-se, a conhecer-os outros, o mundo, a si mesmo - a sentir, a fantasiar a relaxar vendo, ouvindo, "tocando" as pessoas na tela, que lhe mostram como viver, ser feliz e infeliz, amar e odiar. A relação com a mídia eletrônica é prazerosa, é feita através da sedução, da emoção, da exploração sensorial, da narrativa. Aprendemos vendo histórias dos outros e as histórias que os outros nos contam.
PREPARAR OS PROFESSORES PARA A UTILIZAÇÃO DO COMPUTADOR E DA INTERNET
Procurar de todas as formas possíveis, que todas possam ter acesso fácil, frequente e personalizado as novas tecnologias. Ter salas de aulas conectadas, salas ambientes para pesquisa, laboratóriso bem equipados. dar condições para que os professores´possam ter seus próprios computadores. facilitar o acesso do aluno ao computador. No Brasil, sabemos que essa situação, por enquanto, é utópica; mas hoje o ensino de qualidade necessita de toda essa tecnologia.
FAMILIZAR-SE COM O COMPUTADOR, COM SEUS APLICATIVOS E COM A INTERNET
Aprender a utilizá-lo no nível básco, como ferramenta. No nível mais vançado, dominar as ferramentas da WEB e do email. Aprender a pesquisar nos SEARCH, a participar de listas de discussão, a construir páginas.
AUXILIAR OS PROFESSORE NA UTILIZAÇÃO PEDAGÓGICA DA INTERNET E DOS PROGRAMAS MULTIMÍDIA
Ensiná-lo a fazer pesquisa. É por issa razão que não podemos negar a existência de todo esse universo que existe além da sala de aula.

Redefinindo papéis

Eis o grande dilema da maioria dos educadores: espera-se que cada um construa comunidades de aprendizagem, se aproprie de metodologias adequadas ao desenvolvimento das capacidades de inovação, mude sua prática tendo em vista o futuro, seja catalisador da sociedade do conhecimento e promova a democracia pública. Tudo isso num momento em que o conhecimento, as informações, os papéis sociais e a própria cultura educacional estão em constante movimento de mudança. Na busca por metodologias de aprendizagem, observa-se que não há um padrão e a formação do professor para as novas exigências de ensino e de aprendizagem se apresenta como um grande desafio para a educação da nova era.


Nesse contexto, é possível constatar que as singularidades dos indivíduos e das circunstâncias criadas e recriadas a cada momento exigem diferentes ações do educador, assim como muitos elementos técnicos e humanos interferem nessa nova prática. A familiarização com as tecnologias e as diversas possibilidades dos ambientes não garantem o desenvolvimento do aluno e o papel do professor como mediador ganha novas dimensões, as quais devem ser definidas aos poucos.
Para saber mais: assista a entrevista dada pela professora Elizabeth Almeida no Congresso do Educarede em 2009.

Uma mudança de mentalidade

Várias mudanças são necessárias para que as TICs de fato façam parte do currículo de ensino e não sejam apenas instrumentos para ilustrar melhor o trabalho de sala de aula, um substituto para a lousa e o giz ou para a máquina de escrever.

As mudanças na educação para a inserção das TICs como ferramentas de aprendizagem, além de dependerem de administradores, diretores, coordenadores e professores mais abertos, que entendam todas as dimensões envolvidas no processo pedagógico, dependem também de alunos curiosos, motivados e que queiram se tornar interlocutores e parceiros de caminhada do professor-educador.

Temos de mudar a mentalidade existente de que o professor é o que ensina e o aluno é o que aprende. Hoje o professor é o que orienta e o aluno deve se autoensinar. Há de se criar uma mentalidade de curiosidade tanto no aluno quanto no professor, ou seja, deve-se criar a mentalidade de um pesquisador.

A afirmação acima emerge de uma reflexão acerca de uma comparação paradoxal entre professor mediador e professor transmissor. Existe diferença, pois na prática seus papéis são inquestionavelmente distintos. Enquanto um se coloca como o detentor do saber e da experiência praticando apenas o ensinar por conta de uma atuação que aplica o repasse, o outro se empenha em ser parte de um processo coletivo em que intercede, troca e contribui em busca da aprendizagem coletiva. É estritamente necessário, também, que haja uma grande mudança nas condições de infraestrutura das escolas e que sejam preparados laboratórios com computadores conectados à Internet com livre acesso e, dentro desses laboratórios, é imprescindível a presença de monitores que orientem as pesquisas.

TICs e a educação – o papel do professor

Ensinar e aprender exigem, hoje, mais flexibilidade espaço/temporal, pessoal/grupal, menos conteúdos fixos e processos mais abertos de pesquisa e de comunicação. Uma das dificuldades atuais é conciliar a extensão da informação e a variedade das fontes de acesso com o aprofundamento da sua compreensão em espaços menos rígidos e menos engessados. Há informações demais e temos dificuldade em escolher quais delas são importantes.


A aquisição da informação e de dados dependerá cada vez menos do professor. As novas tecnologias trazem tudo isso de forma rápida e atraente. O papel do professor – o papel principal – é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los, a contextualizá-los e a transformá-los em conhecimentos. É por essa razão que se aperfeiçoar deve ser pré-requisito na vida de um educador.


O que antes era uma tarefa do professor – levar a informação para a sala de aula – tornou-se também tarefa do aluno; ou seja, aprender depende de que o aluno esteja pronto e maduro para incorporar a real significação que essa informação tem para ele. Enquanto a informação não fizer parte do contexto pessoal – intelectual e emocional –, ela não se tornará verdadeiramente significativa e não será aprendida.

TICs e a educação – as ações do educador

Muitos estudiosos sinalizam que os educadores, catalisadores da sociedade da informação, devem, além de incorporar a utilização desses recursos à sua prática, apropriar-se de metodologias que desenvolvam nos alunos uma relação crítica e não ingênua com seu universo virtual, tornando-os capazes de dialogar com autonomia nesses campos.


Os novos cidadãos que estamos formando necessitam saber “ler e interpretar” o que veem e, também, produzir e expressar-se em meio audiovisual. (MONTEIRO e FELDMAN, 2001, p. 41)

Sobre esse aspecto, Hargreaves (2001) salienta que os professores devem ser capazes de construir um tipo especial de profissionalismo, diferente daquele que vivenciaram quando tinham autonomia sobre o ensino. Para o profissionalismo que está dentro da sala de aula nessa nova época, mudanças são exigidas na ação do educador:

  • Aprender a ensinar de um modo que ele mesmo não foi ensinado.
  • Comprometer-se com o próprio aprendizado além da atualização profissional que envolve as novas tecnologias.
  • Trabalhar e aprender com os seus pares, até porque, atualmente, com a facilidade de comunicação virtual, o diálogo está cada vez mais constante entre os professores – o diálogo pode ser diário.
  • Reconhecer os alunos como parceiros e os pais e a comunidade como fonte de aprendizagem e de apoio, aproveitando a facilidade da comunicação virtual.
  • Tornar-se seu próprio agente de mudança qualificado e reagir rápida e eficazmente às mudanças sociais e educacionais constantes que ocorrem a sua volta.

TICs e a educação

Como vimos, o advento das tecnologias da informação e comunicação tem influenciado os modos de fazer, aprender e ensinar. Os educadores se encontram em meio a um “turbilhão” de informações a partir das quais buscam conduzir as suas ações pedagógicas.

Ao mesmo tempo em que tentam assimilar as exigências sociais impostas pela nova Era, eles procuram traduzi-la didaticamente a seus alunos na tentativa de prever um futuro "quase que imprevisível". No entanto, os educadores muitas vezes se sentem inseguros para exercerem a função nesse novo perfil, pois não receberam formação profissional nem tampouco vivenciaram, como alunos, nada parecido com o que está sendo exigido nesse momento.


Cabe ressaltar que novas habilidades também estão sendo exigidas da escola e essa deve superar os antigos modelos pedagógicos ou adaptá-los à era da informação. Atuais ambientes educacionais e suas modernas perspectivas de ensino e ferramentas tecnológicas apresentam uma nova ordem na prática pedagógica, que divide opiniões e gera polêmicas sobre a sua verdadeira eficiência.

Nova comunicação – alterando a maneira de pensar e conviver em sociedade

Pierre Lévy (1993, p. 7) comprovou em seus estudos que o computador oferece uma nova maneira de comunicação e altera a maneira de pensar e conviver em sociedade, como as mudanças ocorridas com o surgimento dos livros e da televisão. Declara, portanto, que:

novas maneiras de pensar e conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. (...) Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturadas por uma informática cada vez mais avançada.

Ele ainda se preocupou em demonstrar que a informática é uma nova técnica de comunicação e que ela interfere na maneira de o indivíduo representar o mundo e com ele interagir, além de ser uma das peças-chave do processo de globalização:
a quantidade de coisas e técnicas que habitam o inconsciente intelectual, até o ponto extremo no qual o sujeito do pensamento quase não se distingue mais de um coletivo cosmopolita. (ibid:11)

Devido às facilidades e perspectivas que oferece, essa máquina passou, naturalmente, a interessar à educação. Muitas escolas, a partir da década de 1960, começaram a utilizar-se de seus benefícios, primeiramente na área administrativa e, a partir do final da década de 1970, na área pedagógica, oferecendo cursos de computação aos seus alunos na tentativa de aproximar a escola da sociedade tecnológica. O psicólogo Yves de La Taille e colaboradores (1995, p. 19) observam:

E, sendo a escola uma instituição dessa sociedade, é natural que ela tenha que modificar também sua forma de transmitir esse patrimônio. Isso por duas razões: por um lado, a escola não tem escolha, pois depende da organização social, e, por outro lado, como é sua tarefa preparar o aluno para a sociedade, ela deve ensiná-lo a se servir dos novos recursos.


Evolução tecnológica e comunicação

Durante os anos que seguiram, a área da tecnologia evoluiu tanto que atingiu todas as áreas e todos os serviços. Podemos encontrar tecnologia informatizada no banco, nos serviços de telefonia, na rede elétrica, na televisão... O microcomputador é um marco na evolução tecnológica e, hoje, a sociedade se apropriou desse invento que atende muito bem às suas necessidades.

Essa evolução alterou as formas de comunicação já existentes. Basicamente, estamos vivendo numa época em que não há limites para se comunicar: o mundo está ligado em rede. As redes sociais da Internet conseguem agrupar mais pessoas do que qualquer movimento até hoje registrado. O mundo está interligado nos mais variados assuntos e saber usar a comunicação digital se tornou uma necessidade para as pessoas, principalmente nos ambientes de trabalho.

Novas tecnologias de informação e comunicação e o ensino da língua


Transformações nas sociedades por meio das tecnologias

Para compreender melhor as novas tecnologias, é necessário voltar ao tempo para entender como o mundo veio se transformando. O homem, na luta pela sobrevivência e em busca de soluções para seus problemas, foi produzindo e reproduzindo formas, modificando a natureza e, consequentemente, as relações de si mesmo com o mundo. As tecnologias que criou – da roda até o computador – geraram grandes transformações na maneira de se comportar e de se comunicar, produzindo meios para que essa comunicação se realizasse de forma mais satisfatória.
Esse desenvolvimento acelerado das tecnologias provocou o surgimento de aparelhos sofisticados e da informatização de serviços. Esses meios vêm gerando, desde meados do século XX, novas relações econômicas e culturais em diversas áreas como saúde, administração, comunicação, entre outras.

Em 1946, por exemplo surgiu um projeto que revolucionou no mundo o primeiro computador totalmente eletrônico e digital de aplicação geral - o ENIAC. Ele era tão grande que pesava 30 toneladas e média 5,50 metros de altura e 25 metros de altura, contava com 70 mil resistores e de 17.468 a 18.000 válvulas a vácuo, ocupando a área de um ginásio desportivo (180 metro quadrado de área construída). Tom Forester disse que, quando acionaram pela primeira vez ENIAC, ele consumiu tanta energia que as luzes de Filadélfia piscaram.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Conto a Causa Secreta - Machado de Assis

A Causa Secreta, de Machado de Assis
Fonte:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
(http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/literat.html)
Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as
informações acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para
.
Estamos em busca de patrocinadores e voluntários para nos ajudar a manter este projeto.
Se você quer ajudar de alguma forma, mande um e-mail para e
saiba como isso é possível.
A Causa Secreta
GARCIA, EM Pé mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de
balanço, olhava para o tecto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um
trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada.
Tinham falado do dia, que estivera excelente, — de Catumbi, onde morava o
casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os
três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de
contar a história sem rebuço.
Tinham falado também de outra cousa, além daquelas três, cousa tão feia
e grave, que não lhes deixou muito gosto para tratar do dia, do bairro e da
casa de saúde. Toda a conversação a este respeito foi constrangida. Agora
mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos, ao passo que há
no rosto de Garcia uma expressão de severidade, que lhe não é habitual. Em
verdade, o que se passou foi de tal natureza, que para fazê-lo entender é
preciso remontar à origem da situação.
Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860,
estando ainda na Escola, encontrou-se com Fortunato, pela primeira vez, à
porta da Santa Casa; entrava, quando o outro saía. Fez-lhe impressão a figura; mas, ainda assim, tê-la-ia esquecido, se não fosse o segundo
encontro, poucos dias depois. Morava na rua de D. Manoel. Uma de suas
raras distrações era ir ao teatro de S. Januário, que ficava perto, entre essa
rua e a praia; ia uma ou duas vezes por mês, e nunca achava acima de
quarenta pessoas. Só os mais intrépidos ousavam estender os passos até
aquele recanto da cidade. Uma noite, estando nas cadeiras, apareceu ali
Fortunato, e sentou-se ao pé dele.
A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos; mas Fortunato ouvia-a com singular interesse. Nos lances
dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um
personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça
reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas
Fortunato não esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi
pelo beco do Cotovelo, rua de S. José, até o largo da Carioca. Ia devagar,
cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que
dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando. No largo da Carioca entrou
num tílburi, e seguiu para os lados da praça da Constituição. Garcia voltou
para casa sem saber mais nada.
Decorreram algumas semanas. Uma noite, eram nove horas, estava em
casa, quando ouviu rumor de vozes na escada; desceu logo do sótão, onde
morava, ao primeiro andar, onde vivia um empregado do arsenal de guerra. Era este que alguns homens conduziam, escada acima, ensangüentado. O
preto que o servia acudiu a abrir a porta; o homem gemia, as vozes eram
confusas, a luz pouca. Deposto o ferido na cama, Garcia disse que era
preciso chamar um médico.
— Já aí vem um, acudiu alguém.
Garcia olhou: era o próprio homem da Santa Casa e do teatro. Imaginou
que seria parente ou amigo do ferido; mas rejeitou a suposição, desde que
lhe ouvira perguntar se este tinha família ou pessoa próxima. Disse-lhe o
preto que não, e ele assumiu a direção do serviço, pediu às pessoas estranhas
que se retirassem, pagou aos carregadores, e deu as primeiras ordens.
Sabendo que o Garcia era vizinho e estudante de medicina pediu-lhe que
ficasse para ajudar o médico. Em seguida contou o
que se passara.
— Foi uma malta de capoeiras. Eu vinha do quartel de Moura, onde fui visitar um primo, quando ouvi um barulho muito grande, e logo depois um
ajuntamento. Parece que eles feriram também a um sujeito que passava, e
que entrou por um daqueles becos; mas eu só vi a este senhor, que
atravessava a rua no momento em que um dos capoeiras, roçando por ele,
meteu-lhe o punhal. Não caiu logo; disse onde morava e, como era a dois
passos, achei melhor trazê-lo.
— Conhecia-o antes? perguntou Garcia.
— Não, nunca o vi. Quem é?
— É um bom homem, empregado no arsenal de guerra. Chama-se Gouvêa.
— Não sei quem é.
Médico e subdelegado vieram daí a pouco; fez-se o curativo, e tomaramse
as informações. O desconhecido declarou chamar-se Fortunato Gomes da Silveira, ser capitalista, solteiro, morador em Catumbi. A ferida foi
reconhecida grave. Durante o curativo ajudado pelo estudante, Fortunato
serviu de criado, segurando a bacia, a vela, os panos, sem perturbar nada,
olhando friamente para o ferido, que gemia muito. No fim, entendeu-se
particularmente com o médico, acompanhou-o até o patamar da escada, e
reiterou ao subdelegado a declaração de estar pronto a auxiliar as pesquisas
da polícia. Os dous saíram, ele e o estudante ficaram no quarto.
Garcia estava atônito. Olhou para ele, viu-o sentar-se tranqüilamente,
estirar as pernas, meter as mãos nas algibeiras das calças, e fitar os olhos no
ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a
expressão dura, seca e fria. Cara magra e pálida; uma tira estreita de barba,
por baixo do queixo, e de uma têmpora a outra, curta, ruiva e rara. Teria
quarenta anos. De quando em quando, voltava-se para o estudante, e
perguntava alguma coisa acerca do ferido; mas tornava logo a olhar para ele, enquanto o rapaz lhe dava a resposta. A
sensação que o estudante recebia era de repulsa ao mesmo tempo que de
curiosidade; não podia negar que estava assistindo a um ato de rara
dedicação, e se era desinteressado como parecia, não havia mais que aceitar
o coração humano como um poço de mistérios.
Fortunato saiu pouco antes de uma hora; voltou nos dias seguintes, mas a
cura fez-se depressa, e, antes de concluída, desapareceu sem dizer ao
obsequiado onde morava. Foi o estudante que lhe deu as indicações do
nome, rua e número.
— Vou agradecer-lhe a esmola que me fez, logo que possa sair, disse o
convalescente.
Correu a Catumbi daí a seis dias. Fortunato recebeu-o constrangido, ouviu impaciente as palavras de agradecimento, deu-lhe uma resposta enfastiada e
acabou batendo com as borlas do chambre no joelho. Gouvêa, defronte dele,
sentado e calado, alisava o chapéu com os dedos, levantando os olhos de
quando em quando, sem achar mais nada que dizer. No fim de dez minutos,
pediu licença para sair, e saiu.
— Cuidado com os capoeiras! disse-lhe o dono da casa, rindo-se.
O pobre-diabo saiu de lá mortificado, humilhado, mastigando a custo o
desdém, forcejando por esquecê-lo, explicá-lo ou perdoá-lo, para que no
coração só ficasse a memória do benefício; mas o esforço era vão. O
ressentimento, hóspede novo e exclusivo, entrou e pôs fora o benefício, de tal modo que o desgraçado não teve mais que trepar à cabeça e refugiar-se
ali como uma simples idéia. Foi assim que o próprio benfeitor insinuou a
este homem o sentimento da ingratidão.
Tudo isso assombrou o Garcia. Este moço possuía, em gérmen, a
faculdade de decifrar os homens, de decompor os caracteres, tinha o amor da
análise, e sentia o regalo, que dizia ser supremo, de penetrar muitas camadas
morais, até apalpar o segredo de um organismo. Picado de curiosidade,
lembrou-se de ir ter com o homem de Catumbi, mas advertiu que nem
recebera dele o oferecimento formal da casa. Quando menos, era-lhe preciso
um pretexto, e não achou nenhum.
Tempos depois, estando já formado e morando na rua de Matacavalos, perto da do Conde, encontrou Fortunato em uma gôndola, encontrou-o ainda
outras vezes, e a freqüência trouxe a familiaridade. Um dia Fortunato
convidou-o a ir visitá-lo ali perto, em Catumbi.
— Sabe que estou casado?
— Não sabia.
— Casei-me há quatro meses, podia dizer quatro dias. Vá jantar conosco
domingo.
— Domingo?
— Não esteja forjando desculpas; não admito desculpas. Vá domingo.
Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e
boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. A figura dele
não mudara; os olhos eram as mesmas chapas de estanho, duras e frias; as
outras feições não eram mais atraentes que dantes. Os obséquios, porém, se
não resgatavam a natureza, davam alguma compensação, e não era pouco.
Maria Luísa é que possuía ambos os feitiços, pessoa e modos. Era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos; tinha vinte e cinco anos e parecia não
passar de dezenove. Garcia, à segunda vez que lá foi, percebeu que entre
eles havia alguma dissonância de caracteres, pouca ou nenhuma afinidade
moral, e da parte da mulher para com o marido uns modos que transcendiam
o respeito e confinavam na resignação e no temor. Um dia, estando os três
juntos, perguntou Garcia a Maria Luísa se tivera notícia das circunstâncias em que ele conhecera o marido.
— Não, respondeu a moça.
— Vai ouvir uma ação bonita.
— Não vale a pena, interrompeu Fortunato.
— A senhora vai ver se vale a pena, insistiu o médico.
Contou o caso da rua de D. Manoel. A moça ouviu-o espantada.
Insensivelmente estendeu a mão e apertou o pulso ao marido, risonha e
agradecida, como se acabasse de descobrir-lhe o coração. Fortunato sacudia
os ombros, mas não ouvia com indiferença. No fim contou ele próprio a
visita que o ferido lhe fez, com todos os pormenores da figura, dos gestos,
das palavras atadas, dos silêncios, em suma, um estúrdio. E ria muito ao
contá-la. Não era o riso da dobrez. A dobrez é evasiva e
oblíqua; o riso dele era jovial e franco.
" Singular homem!" pensou Garcia.
Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico restituiu-lhe a satisfação anterior, voltando a referir a dedicação deste e as
suas raras qualidades de enfermeiro; tão bom enfermeiro, concluiu ele, que,
se algum dia fundar uma casa de saúde, irei convidá-lo.
— Valeu? perguntou Fortunato.
— Valeu o quê?
— Vamos fundar uma casa de saúde?
— Não valeu nada; estou brincando.
— Podia-se fazer alguma cousa; e para o senhor, que começa a clínica, acho
que seria bem bom. Tenho justamente uma casa que vai vagar, e serve.
Garcia recusou nesse e no dia seguinte; mas a idéia tinha-se metido na
cabeça ao outro, e não foi possível recuar mais. Na verdade, era uma boa estréia para ele, e podia vir a ser um bom negócio para ambos. Aceitou
finalmente, daí a dias, e foi uma desilusão para Maria Luísa. Criatura
nervosa e frágil, padecia só com a idéia de que o marido tivesse de viver em
contato com enfermidades humanas, mas não ousou opor-se-lhe, e curvou a
cabeça. O plano fez-se e cumpriu-se depressa. Verdade é que Fortunato não
curou de mais nada, nem então, nem depois. Aberta a casa, foi ele o próprio
administrador e chefe de enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo,
compras e caldos, drogas e contas.não era um caso fortuito, mas assentava na própria natureza deste homem.
Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não recuava diante de nada, não
conhecia moléstia aflitiva ou repelente, e estava sempre pronto para tudo, a
qualquer hora do dia ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia.
Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os
cáusticos.
— Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele.
A comunhão dos interesses apertou os laços da intimidade. Garcia tornouse
Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da rua D. Manoel familiar na casa; ali jantava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a
vida de Maria Luísa, cuja solidão moral era evidente. E a solidão como que
lhe duplicava o encanto. Garcia começou a sentir que alguma coisa o
agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando trabalhava, calada, ao
canto da janela, ou tocava ao piano umas músicas tristes. Manso e manso,
entrou-lhe o amor no coração. Quando deu
por ele, quis expeli-lo para que entre ele e Fortunato não houvesse outro laço
que o da amizade; mas não pôde. Pôde apenas trancá-lo; Maria Luísa
compreendeu ambas as coisas, a afeição e o silêncio, mas não se deu por
achada.olhos do médico a situação da moça. Fortunato metera-se a estudar anatomia
e fisiologia, e ocupava-se nas horas vagas em rasgar e envenenar gatos e
cães. Como os guinchos dos animais atordoavam os doentes, mudou o
laboratório para casa, e a mulher, compleição nervosa, teve de os sofrer. Um
dia, porém, não podendo mais, foi ter com o médico e pediu-lhe que, como
cousa sua, alcançasse do marido a
cessação de tais experiências.
— Mas a senhora mesma...
Maria Luísa acudiu, sorrindo:
— Ele naturalmente achará que sou criança. O que eu queria é que o senhor, como médico, lhe dissesse que isso me faz mal; e creia que faz...
Garcia alcançou prontamente que o outro acabasse com tais estudos. Se os
foi fazer em outra parte, ninguém o soube, mas pode ser que sim. Maria
Luísa agradeceu ao médico, tanto por ela como pelos animais, que não podia
ver padecer. Tossia de quando em quando; Garcia perguntou-lhe se tinha
alguma coisa, ela respondeu que nada.
— Deixe ver o pulso.
— Não tenho nada.
Não deu o pulso, e retirou-se. Garcia ficou apreensivo. Cuidava, ao contrário, que ela podia ter alguma coisa, que era preciso observá-la e avisar o marido em tempo.
Dois dias depois, — exatamente o dia em que os vemos agora, — Garcia
foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele
caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa saía aflita.
— Que é? perguntou-lhe.
— O rato! O rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.
Garcia lembrou-se que na véspera ouvira ao Fortunado queixar-se de um
rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que
viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre
a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o
polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta
pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento
em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em
seguida desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a
fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrorizado.
— Mate-o logo! disse-lhe.
— Já vai.
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que
traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira
pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O
miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não
acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e
estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a
fazê-lo, porque o diabo do homem impunha
medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a
última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com
os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao
descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.
Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para
fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer,
quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a
vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação
estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente
esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A
chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda
um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortarlhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o
cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.
Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrouse
enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera
evidentemente era fingida.
"Castiga sem raiva", pensou o médico, "pela necessidade de achar uma
sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem".
Fortunato encareceu a importância do papel, a perda que lhe trazia, perda
de tempo, é certo, mas o tempo agora era-lhe preciosíssimo. Garcia ouvia só,
sem dizer nada, nem lhe dar crédito. Relembrava os atos dele, graves e
leves, achava a mesma explicação para todos. Era a mesma troca das teclas
da sensibilidade, um diletantismo sui generis, uma redução de Calígula.
Quando Maria Luísa voltou ao gabinete, daí a pouco, o marido foi ter com
ela, rindo, pegou-lhe nas mãos e falou-lhe mansamente:
— Fracalhona!
E voltando-se para o médico:
— Há de crer que quase desmaiou?
Maria Luísa defendeu-se a medo, disse que era nervosa e mulher; depois
foi sentar-se à janela com as suas lãs e agulhas, e os dedos ainda trêmulos,
tal qual a vimos no começo desta história. Hão de lembrar-se que, depois de
terem falado de outras coisas, ficaram calados os três, o marido sentado e
olhando para o teto, o médico estalando as unhas. Pouco depois foram
jantar; mas o jantar não foi alegre. Maria Luísa cismava e tossia; o médico
indagava de si mesmo se ela não estaria exposta a
algum excesso na companhia de tal homem. Era apenas possível; mas o
amor trocou-lhe a possibilidade em certeza; tremeu por ela e cuidou de os
vigiar.
Ela tossia, tossia, e não se passou muito tempo que a moléstia não tirasse
a máscara. Era a tísica, velha dama insaciável, que chupa a vida toda, até
deixar um bagaço de ossos. Fortunato recebeu a notícia como um golpe;
amava deveras a mulher, a seu modo, estava acostumado com ela, custavalhe
perdê-la. Não poupou esforços, médicos, remédios, ares, todos os
recursos e todos os paliativos. Mas foi tudo vão. A doença era mortal.
Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole
do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais; fitou o olho
baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a
uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de
febre e minada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima,
pública ou íntima. Só quando ela expirou, é que ele ficou aturdido. Voltando
a si, viu que estava outra vez só.
De noite, indo repousar uma parenta de Maria Luísa, que a ajudara a
morrer, ficaram na sala Fortunato e Garcia, velando o cadáver, ambos
pensativos; mas o próprio marido estava fatigado, o médico disse-lhe que
repousasse um pouco.
— Vá descansar, passe pelo sono uma hora ou duas: eu irei depois.
Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns
minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés
para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou
assombrado.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por
alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que
Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da
amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, notese;
a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas
dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.
Olhou assombrado, mordendo os beiços.
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas
então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam
conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e
irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo
essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
FIM

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Finalizando

Há vários caminhos possíveis para a leitura do texto literário, percorremos apenas alguns. Parece-nos que para nós, educadores, o mais importante é nos colocarmos também como leitores. Se não alcançamos o prazer da leitura do texto literário, torna-se difícil apontar a beleza e os questionamentos presentes na Literatura. O texto literário é mais aberto e lacunar, conforme nos apontam Brandão e Micheletti; exige maior participação do leitor. Além disso:


A literatura é um discurso carregado de vivência íntima e profunda que suscita no leitor o desejo de prolongar ou renovar as experiências que veicula. Constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo, pois supre as fantasias, desencadeia nossas emoções, ativa o nosso intelecto, trazendo e produzindo conhecimento. Ela é criação, uma espécie de irrealidade que adensa a realidade, tornando-nos observadores de nós mesmos. Ler um texto literário significa entrar em novas relações, sofrer um processo de transformação. (BRANDÃO; MICHELETTI, 1997)

Vale ressaltar que tudo depende do momento pedagógico, dos objetivos a ser atingidos, das expectativas dos educadores e dos educandos em relação ao universo literário. O que não podemos perder é o direito que temos à Literatura, conforme defende A. Candido.

Bibliografia

  • BAMBERGER, R. Como incentivar o hábito de leitura. 6.ed. São Paulo: Ática, 1995.
  • BRANDÃO, H. N.; MICHELETTI, G. “Teoria e prática de leitura”. In: Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997.
  • CANDIDO, A. Vários escritos. 3.ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
  • FREIRE, P. A importância do ato de ler. 25.ed. São Paulo: Cortez, 1991.
  • LAJOLO , M. O que é Literatura. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense, 1986.
  • LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
  • MARTINS, M. H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1995.
  • MICHELETTI, G. “A leitura como construção do texto e construção do real”. In: Leitura e construção do real. São Paulo: Cortez, 1999.
  • TODOROV, T. A Literatura em perigo. 2.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009.
  • WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da Literatura. 5.ed. Lisboa: Europa, 1949.
Cecília Meireles

Ou isto ou aquilo


Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.




Finalizando para começar

Vale relembrar que, no Ensino Médio, é importante ultrapassar a subjetividade do educando para situar teoricamente o texto literário, mas principalmente estabelecer de forma mais consciente as relações entre o texto e o mundo.


Nos anos iniciais, quando a criança está começando seu percurso pela Literatura através da Literatura Infantil, é importante dar voz à criança; permitir que ela tire do texto as ideais e emoções que lhe despertam. Obviamente, esse conto de Machado de Assis não é adequado para determinada faixa etária. Isso significa dizer que é necessário respeitar as fases de desenvolvimento emocional e cognitivo para a formação do leitor de textos literários.


Lembre-se de que o professor tem autonomia para selecionar a obra literária e propor estratégias diferenciadas para cada uma. É possível, inclusive, dar várias indicações e permitir que o aluno faça sua escolha.


A leitura do poema “Ou isto ou aquiloLink externo, de Cecília Meireles, disponível no site da Revista Agulha, traz um movimento lúdico, construído a partir da sonoridade, muito apropriado para a leitura em turmas do Ensino Fundamental (Ciclo II), e, ao mesmo tempo, apresenta os conflitos gerados pelas escolhas que precisamos fazer durante a vida.


"É uma grande pena que não se possa

Estar ao mesmo tempo em dois lugares!"

"Ou guardo o dinheiro e não compro o doce

Ou compro o doce e não guardo o dinheiro."



Etapas de leitura do romance

Novamente nos permitimos apreciar o texto antes do estudo teórico:


  1. a.
    Quais emoções o texto provoca?

  2. b.
    Há alguma identificação com o contexto atual?


Passemos para uma etapa teórica, isto é, apontando os elementos da narrativa (enredo, narrador, personagens, tempo, espaço). Ao levantarmos a composição estrutural, notamos que há duas linhas narrativas que são desenvolvidas concomitantemente: a de Rodrigo S. M. e a de Macabéa. Esse seria um bom tema para ser explorado.


Enquanto Rodrigo S. M. preocupa-se com o processo de criação e com o ato de escrever, Macabéa – criada por Rodrigo – percorre as ruas da cidade grande, numa tentativa frustrada de integração. Temos uma relação entre a metalinguagem e a narrativa propriamente dita.

A Palavra: matéria-prima da Literatura

O processo de criação discutido por Rodrigo S. M.:


Sim, mas não esquecer que para escrever não-importa-o-quê o meu material básico é a palavra. Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases. (p. 14)

As palavras são sons transfundidos de sombras que entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. (p. 16)

Ou seja, a matéria-prima da Literatura é a palavra, conforme nos ensinam Wellek e Warren.


Toda vida de Macabéa é um não. O narrador não poupa a personagem em nenhum momento, nem mesmo no final, quando, esperançosa com os dizeres da cartomante, ela sai pela rua e morre atropelada. Ironicamente, é seu único momento de glória, em que outras pessoas passam a notar sua presença. Temos, no processo de construção da personagem, indícios de seu destino:


(...) que ela era incompetente. Incompetente para a vida. Falta-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse, diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim. (p. 24)


Adequação do ensino de Literatura à série escolar

A obra de Clarice Lispector pode ser estudada nas 2ª e 3ª série do Ensino Médio. Como é uma obra frequentemente indicada para exames vestibulares, talvez seja interessante compor uma sugestão para a análise crítica.


Vale lembrar que o professor tem autonomia para fazer suas escolhas. E as leituras propostas aqui não são estanques, bem como a metodologia aplicada para a atividade. O que pretendemos destacar é a importância do professor para o planejamento das aulas e acreditamos que a análise e interpretação que fazemos das obras literárias são fundamentais para que a atividade de leitura de textos literários se torne significativa para o aluno.



Saber apreciar o universo mágico da Literatura, sem dúvida, é um caminho para a formação do leitor de textos literários, aprendizado que o aluno levará para a vida.
















Romance: A hora da estrela

Agora, vamos ler o romance A hora da estrela, de Clarice Lispector. Neste caso, também adotaremos outra estratégia, respondendo às seguintes perguntas antes de ler a obra:

Já ouviu falar nesse roamnce? Quando e onde?

Quais informações você tem sobre ele?

Conhece algo sobre a trajetória de Clarice Lispector?

Por que é um livro sempre indicado em exames vestibulares?

Obviamente que nós, educadores, sabemos responder a essas perguntas; trata-se de uma maneira diferente de abordar o texto literário, isto é, situar o educando antes de iniciar sua leitura. Essa é uma etapa importante para a leitura de textos literários, sempre tomando o cuidado de não antecipar o enredo, pois isso pode cercear a curiosidade do educando.


Após esse levantamento, vamos à leitura!


Revista Diálogos no site:
http://www.orfeuspam.com.br/Periodicos_JL/Dialogos/Dialogos_3.pdf

Contextualizando...

Depois dessas reflexões, podemos iniciar nossa pesquisa: biografia do autor, contexto literário, recursos linguísticos utilizados.


Para saber mais, leia o texto “Memória e metalinguagem nas crônicas de Rubem Braga" .disponível na Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade, produzida pela Universidade do Estado de Pernambuco, em 2009.


A crônica de Rubem Braga pode ser estudada na 1ª série do Ensino Médio. Uma estratégia interessante seria resgatar o que os alunos aprenderam na 5ª e 6ª séries (6º e 7º anos) do Ciclo II, em relação à crônica, para estabelecer diferenças entre crônica histórica e a crônica literária. Como a crônica literária é um gênero híbrido, para entendê-lo melhor é importante perceber a trajetória de sua evolução.

Crônica de Rubem Braga

Você sentiu as mesmas emoções provocadas pelo conto de Machado de Assis? Certamente não! São textos com caráter e tema diferentes.


O que a crônica de Rubem Braga provocou em você? Responda: a leitura causou-lhe alguma emoção? Qual? Com que intensidade? Esse é o mesmo movimento que fizemos na leitura do conto de Machado de Assis, ou seja, deixamos que a subjetividade guiasse a percepção do texto.


Agora, ao invés de buscarmos algum trecho para explicar nossas emoções, vamos experimentar outra estratégia. A obra literária nos questiona, nos instiga, nos faz refletir, mas também responde, de alguma forma, ao contexto em que vivemos. Aqui está um caminho para dar sentido ao texto, estabelecendo um elo entre a ficção e a realidade. Assim, voltando à crônica, quais são as perguntas respondidas pelo texto?


Poderiam ser as seguintes. É claro que é possível haver outras questões, mas vamos ficar apenas com estas para verificar, agora, quais respostas encontramos.

Há referências do cotidiano de casamento . Qual a ideia do casamento que o texto apresenta?

"Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido aborredico com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para outro sem rir mais; e que um, ouvindo o riso do outro se lembrasse do alegre tempo de namoro, reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos" A vida do casal é tomada pelo cotidiano, que trata da relação o sentimento original do inicio do casamento, daí a caracterização com elementos negativos:

- mal-humorados;

- bastante aborredico;

- bastante irritada;

E a história por seu efeito transformador resgata a lembrança "do alegre tempo de namoro"

Como se constitui a felicidade? Há igualdade ou não?

"E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontanea homenagem à minha história."

Observamos que a estrutura social existe numa hierarquia -patrão/empregados e que nem todas as posições são de igualdade - dependentes.

Como uma história pode ter um efeito transformador?

"Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que estava doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse tanto que chegasse a chorar..."

"(...) reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos".

"Que cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse ... e tão fascinante de graça, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria."

Não sabemos de que história se trata, mas notamos que ao longo do texto, dois elementos se contrapoem : tristeza X alegria.

de um lado a tristeza que prende e cerceia a vida e, de outro, o riso que liberta.





Quando e como aplicar o conto

Após nossa leitura, podemos verificar:

Em que mpmento pedagógico a leitura desse conto será adequada.

Que metodoligia vamos aplicar para a leitura.

Esse conto pode ser estudado na 1ª ou na 2ª série do Ensino Médio. Na sala de aula, uma leitura em voz alta seria interessante para permitir os comentários ao longo da leitura. É importante que os alunos apresentem suas sensações e emoções, que discutam pontos divergentes entre eles. Não há uma única leitura possível, mas fique atento para observações que não se fundamentam no próprio conto, isto é, que não sejam pertinentes à verossimilhança do conto.


Seguindo a mesma estratégia aplicada à leitura do conto de Machado de Assis, vamos ler outro gênero: a crônica. Indicamos a leitura de “Meu ideal seria escreverLink externo, de Rubem Braga, disponível no site Releituras.

Meu Ideal Seria Escrever...

Rubem Braga


Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse -- "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria -- "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -- "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.


A crônica acima foi extraída do livro "A traição das elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, pág. 91.



Aprofundando o olhar teórico sobre o conto

O que nos choca é a reação de Fortunato diante da dor do rato:

  • Já vai.
  • E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas acompanhando a tesoura com os olhos, olhando para o rato meio cadáver.
  • Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.
  • Nem raiva, nem ódio; tão somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética.

O resultado da cena é a dicotomia dor (do rato) versus prazer (de Fortunato).

Notamos que essa cena é a de maior emoção; trata-se do clímax do conto e apresenta a verdadeira natureza do personagem Fortunato, que ao longo da narrativa mostrara-se solidário à dor alheia. Essa é a perspectiva de Garcia que o narrador conduz, conduzindo também o leitor. Daí nossa perplexidade e emoção.


Agora podemos fazer um percurso mais teórico, ou seja, estudar o contexto histórico, a escola literária, as contribuições de outras áreas do conhecimento – é evidente que nesse conto há elementos da Psicologia relacionados à natureza psíquica de Fortunato –, como se desenvolve o enredo, quais aspectos relevantes de sua estrutura narrativa, o gênero a que pertence.

Um olhar mais teórico sobre o conto

Os movimentos do personagem Fortunato são descritos em detalhes: a posição da mão ao segurar o rato, a demora para matar o animal. Os adjetivos atribuídos ao rato mostram sua morte lenta:

  • o infeliz
  • o miserável
  • meio cadáver
  • farrapos de vida
  • resíduo de vida
  • sombra de sombra
  • carne
  • cadáver

Observamos que a gradação que leva o rato à condição de cadáver intensifica a tortura. A dor do rato também é descrita a partir de suas reações:

  • estorcia-se, guinchando, ensanguentado, chamuscado

As ações dão o ritmo da cena, cuja lentidão é capaz de deixar o leitor perplexo:

  • e não acabava de morrer
  • cortou-a muito devagar
  • a chama ia morrendo

Discutindo a leitura

Então, o que você pode dizer sobre o conto:

  1. a.
    Quais emoções o texto provocou? Medo, surpresa, tristeza?

  2. b.
    Qual a cena mais bonita ou mais chocante?

  3. c.
    O texto nos ajuda a pensar o mundo, a vida?


Certamente teremos respostas muito pessoais. No entanto, há determinados aspectos no texto que podem levar a uma percepção muito próxima entre os leitores. Sem dúvida, a cena do rato é a mais impressionante, sofremos a dor do bicho.


Após nossas primeiras observações, precisamos voltar ao texto com um olhar mais teórico. Se a natureza da Literatura é usar a palavra como matéria-prima (WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da Literatura. 5.ed. Lisboa: Europa, 1949), como as palavras podem causar tanta emoção? Não podemos esquecer a base linguística do texto literário.Segue trecho conto:

“Dois dias depois — exatamente o dia em que os vemos agora — Garcia foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa saía aflita.
— Que é? perguntou-lhe.
— O rato! o rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.
Garcia lembrou-se que, na véspera, ouvira ao Fortunato queixar-se de um rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até à chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrizado.
— Mate-o logo! disse-lhe.
— Já vai.
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não acabava de morrer. Garcia desviou os olhos depois voltou-os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.
Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortar-lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue. Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrou-se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida.
— Castiga sem raiva, pensou o médico, pela necessidade de achar uma sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem.”

Conto de Machado de Assis: "A causa secreta"

Vamos ler o conto “A causa secreta”, de Machado de Assis. Antes de iniciarmos nossa trajetória, sugerimos que nos coloquemos como um leitor comum e não como educadores, neste primeiro momento, pelas razões expostas anteriormente.


A primeira leitura é de reconhecimento, para o deleite, sem a preocupação com os elementos teóricos, mas permitindo que o texto nos leve para outra dimensão, para outros mundos, trazendo outras experiências e emoções. Essa estratégia também pode ser aplicada com os alunos.


Observe nessa primeira leitura quais emoções o texto literário provoca. Quais são os questionamentos que estão presentes?


Você encontrará o conto de Machado no Portal Domínio Público .

Um exercício de leitura

O ensino de Literatura é abrangente e toma os três anos do Ensino Médio, permitindo que o contato com a Literatura seja realizado de forma gradativa. O planejamento dos três anos deve levar em consideração as etapas de desenvolvimento dos alunos, assim como as escolhas das obras a serem lidas devem ser contextualizadas para despertar-lhes maior interesse.


Lembre-se: a seleção das obras literárias depende da leitura que nós, professores, realizamos, porque também somos leitores. A análise da obra literária deve anteceder nossas escolhas. Após a interpretação, é possível reconhecer o alcance da obra, saber se ela está adequada para a etapa em que os alunos estão, se dialoga com o momento pedagógico da escola como um todo. Então, após a seleção, as estratégias aplicadas para o estudo devem, como Todorov defende, permitir que o aluno encontre um sentido para sua vida nas obras que lê, ou seja, que estabeleça relações com o mundo, com o contexto social, cultural, que permita questionar o mundo e se questionar, para que possa buscar suas respostas.


Por isso, o que vamos propor é um exercício de leitura, reconhecendo-nos como leitores, no primeiro momento. Após a leitura e o levantamento de alguns aspectos, vamos refletir sobre o alcance da obra e como poderíamos inseri-la no contexto da sala de aula.


Para isso, tomaremos os textos “A causa secreta”, de Machado de Assis; “Meu ideal seria escrever”, de Rubem Braga; e A hora da estrela, de Clarice Lispector.

Um exercício de leitura

O ensino de Literatura é abrangente e toma os três anos do Ensino Médio, permitindo que o contato com a Literatura seja realizado de forma gradativa. O planejamento dos três anos deve levar em consideração as etapas de desenvolvimento dos alunos, assim como as escolhas das obras a serem lidas devem ser contextualizadas para despertar-lhes maior interesse.


Lembre-se: a seleção das obras literárias depende da leitura que nós, professores, realizamos, porque também somos leitores. A análise da obra literária deve anteceder nossas escolhas. Após a interpretação, é possível reconhecer o alcance da obra, saber se ela está adequada para a etapa em que os alunos estão, se dialoga com o momento pedagógico da escola como um todo. Então, após a seleção, as estratégias aplicadas para o estudo devem, como Todorov defende, permitir que o aluno encontre um sentido para sua vida nas obras que lê, ou seja, que estabeleça relações com o mundo, com o contexto social, cultural, que permita questionar o mundo e se questionar, para que possa buscar suas respostas.


Por isso, o que vamos propor é um exercício de leitura, reconhecendo-nos como leitores, no primeiro momento. Após a leitura e o levantamento de alguns aspectos, vamos refletir sobre o alcance da obra e como poderíamos inseri-la no contexto da sala de aula.


Para isso, tomaremos os textos “A causa secreta”, de Machado de Assis; “Meu ideal seria escrever”, de Rubem Braga; e A hora da estrela, de Clarice Lispector.

Nas trilhas da Literatura

Mas, então, como construir esse caminho?

É construí-lo, permitindo que o aluno continue a “procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida” (TODOROV, 2009) e estabelecer relações com os contextos literário, histórico, cultural, sem reduzir sua leitura a um apanhado de informações.


O que mais importa para o estudo da Literatura é a própria Literatura. Ensinar Literatura é, nesse sentido, estudar as obras literárias. Antes, é importante situar o ensino da Literatura ao longo da vida escolar.


Etapas apresentadas no Currículo de Língua Portuguesa Ciclo II e Ensino Médio:


Os textos narrativos, prescritivos e argumentativos são trabalhados ao longo do Ciclo II. As sugestões para o conteúdo são:

  • 5ª série (6º ano): crônica;
  • 6ª série (7º ano): textos jornalísticos;
  • 7ª série (8º ano): anúncio publicitário;
  • 8ª série (9º ano): textos argumentativos.

O ensino de Literatura está presente efetivamente no Ensino Médio:

  • 1ª série: poema; conto tradicional; crônica; teatro; cordel;
  • 2ª série: poema; conto; romance, comédia de costumes; conto fantástico;
  • 3ª série: prosa e poesia modernas; romance de tese; poema e denúncia social; teatro contemporâneo.

O conteúdo contempla o estudo das características de cada gênero, bem como a comparação entre os gêneros e suas transformações.


Destacamos a importância dos 3º e 4º bimestres da 3ª série, porque são destinados à análise crítica do texto literário.

Afinal, para que serve a Literatura?


A Literatura, como arte, dá forma ao mundo; estabelece relações entre nós e o mundo.


A Literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver... ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro. (TODOROV, T. A Literatura em perigo. 2.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009)

Não há um roteiro ou fórmulas para encontrar a Literatura; é preciso simplesmente percorrê-la. É preciso dar corpo ao texto literário, ouvi-lo.


Como ensinar os jovens a percorrer esse caminho, sem cair na tentação de buscar receitas prontas, leituras já legitimadas, e excluir a subjetividade do leitor?


A obra literária é aberta, polissêmica, por isso nos permite interpretá-la de diferentes maneiras; porém, é a própria obra que limita a leitura.


O que ocorre, muitas vezes, é um certo receio do imprevisível, da incerteza que uma leitura mais livre de fórmulas pode proporcionar.

Literatura: arte verbal

A forma latina litteratura nasce de outra palavra igualmente latina: littera, que significa letra, isto é, sinal gráfico que representa, por escrito, os sons da linguagem. O parentesco letras/literatura continua em expressões como cursos e academias de letras, homens letrados, belas-artes e tantas outras. Insinua-se, por aí, uma estreita relação entre a palavra literatura e a noção de língua escrita, pergaminho com iluminuras, papel impresso etc. (LAJOLO, M. O que é Literatura. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense,1986).


Trata-se da letra/palavra com um sentido amplo no seu potencial de significação. Vamos refletir sobre o alcance da palavra a partir do poema “Procura da poesiaLink externo, de Carlos Drummond de Andrade.

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.

Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


Agora, vamos estabelecer relações entre o poema e a seguinte afirmativa:
Participando da natureza última da linguagem – simbolizar e, simbolizando, afirmar a distância entre o mundo dos símbolos e dos seres simbolizados –, a literatura leva ao extremo a ambiguidade da linguagem: ao mesmo tempo em que cola o homem às coisas, diminuindo o espaço entre o nome e o objeto nomeado, dá a medida do artifício e do provisório da relação. Sugere o arbitrário da significação, a fragilidade da aliança e, no limite, a irredutibilidade de cada ser. É, pois, esta linguagem instauradora de realidades e fundadora de sentidos a linguagem de que se tece a literatura. (LAJOLO, 1986)