domingo, 2 de outubro de 2011

Coesão textual - Charge

Na charge, a personagem com a faixa presidencial é uma mulata com traje típico de carnaval. A seu lado, apresenta-se uma moldura com duas caricaturas: uma do candidato Alckmim e outra,
do até então pré-candidato Garotinho. Ambos olham para a morena; contudo, por meio da projeção de um balãopensamento, percebe-se que seus olhares estão direcionados, na verdade, para a faixa presidencial. O código verbal é expresso nos balões-fala dos dois personagens. Alckmim, por empregar uma interjeição e um vocativo e colocar a mão no peito, demonstra passar mal. O motivo desse mal-estar revela-se polissêmico, já que, pelo cenário carnavalesco e pelos olhares lançados à mulata, ela seria o objeto de seu desejo, deixando-o mal. Por outro lado, conforme observado, a faixa presidencial seria seu verdadeiro alvo e, com isso, interpõemse os dois planos, caracterizando o deslocamento. Por tudo isso, pode-se afirmar que se trata de uma coesão endofórica, já que os possíveis referentes estão presentes no texto. A fala de Garotinho também revela essa ambigüidade, uma vez que há dois objetos possivelmente desejáveis: a faixa e a mulher, todavia o vocativo – Alckmim – remete ao sentido político, porque se trata de dois
candidatos à presidência da república. A polifonia aparece, ainda, na frase presente no plano superior da charge, pois não é possível reconhecer o dono dessa voz, que pode advir tanto do autor, quanto da mulher, embora a marca com o destaque em sublinhado sugira se tratar de um título. Nele, o pronome endofórico “eles” refere-se aos candidatos, enquanto o outro endofórico “naquilo” precisa ser reconhecido por meio do código visual faixa presidencial (ou atributos sensuais da mulata?). Essa ambigüidade demonstra o caráter condensador de dois sentidos distintos no âmbito verbal da charge. Nos dois casos, a classificação seria de coesão referencial por substituição pronominal. Também são reconhecíveis pela contribuição do contexto discursivo e, nesses casos, pelos campos semânticos: carnavalesco e político.
Síntese

As charges de Chico, de O Globo, e de Ique, do Jornal do Brasil, parecem dialogar a respeito do mesmo assunto, que é metaforizado, (cinzas: fim do carnaval), e relacionado ao presidente
e a seus companheiros do PT. Com isso, nota-se a intertextualidade em relação ao tema, que reflete a preocupação dos jornais classe3 “A” com a situação dos políticos desse partido.
Ressalta-se, então, um contrato comunicativo nos dois jornais, em que os sujeitos comunicantes criticam o governo Lula e seu partido, satirizando sua situação atual, em fim de mandato.
De maneira diferente, os jornais classe “B” – O Dia e Extra – voltam-se para as eleições presidenciais de outubro de 2006. No primeiro jornal, o tema é o uso político da posição de presidente por parte de Lula, já em campanha e, no segundo, as intenções de outros dois candidatos. Assim, no contrato de comunicação verificado nessas duas charges, o sujeito comunicante está mais preocupado com a postura dos candidatos para as próximas eleições.
Em relação aos recursos expressivos, as duas primeiras charges se aproximam, uma vez que utilizam a polissemia como principal recurso, enquanto as duas últimas revelam a polifonia.
Daí, a presença de título e balão-fala nessas, como recursos que veiculam diferentes pontos-de-vista. Constata-se, nesses textos, a presença da coesão exofórica que se concretiza por meio da coesão lexical, como é o caso de “cinzas”. Essa conclusão também foi observada em um estudo
anterior, conforme Aragão e Pauliukonis (2006, p. 129), “os níveis semântico e lexical são vinculados, normalmente, aos aspectos exofóricos (ou de conhecimento de mundo), mas facilmente retomados na própria superfície textual”.
CONCLUSÃO
O gênero charge apóia-se na circunstância social de produção e, por isso, exige um alto conhecimento de mundo para a sua interpretação. Esse traço revela a presença da coesão exofórica praticamente em todo o corpus. Esse tipo de coesão exige um contexto que forneça pistas para o reconhecimento do referente, daí a necessidade de um leitor atento que observe os mínimos detalhes que podem estar expressos no código verbal ou nãoverbal. Com isso, nota-se que ela não se confunde com a coerência textual, pois, embora ambas contribuam para a unidade interpretativa, a coesão implica certo tipo de referência. Outra observação a respeito dessa coesão corresponde à dupla referência propiciada por esse mecanismo em função da
ambigüidade presente no contexto, que remete a dois campos semânticos. Trata-se de uma propriedade propiciada pela própria natureza dos processos de referenciação. Com isso, torna-se eficiente para a construção do humor e, ao mesmo tempo, da crítica. Para concluir, cabe levantar o questionamento de qual dois processos, coesão endofórica ou exofórica, oferece subsídios para
um texto crítico. Na primeira, todo o processo de remissão é explícito ao texto, enquanto, na segunda, o leitor é obrigado a realizar todo esse processo sozinho. Dialogando com a epígrafe de
Possenti (1998, p. 31), corrobora-se o caráter direto da coesão endofórica, configurando maior ousadia ao texto, já que todos os elementos se encontram na superfície do texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São
Paulo: Parábola, 2005.
ARAGÃO, Verônica Palmira Salme de Aragão. O não-dito construído
pelo viés do humor nas charges. Dissertação de Mestrado.
Rio de Janeiro: UFF/Instituto de Letras, 2006.
–––––– e PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. O processo
inferencial na construção do sentido na mídia. In: Letras & Letras:
Revista do Instituto de Letras e Lingüística. Uerlândia: UFU,
vol. 22, nº 2, jul.-dez. de 2006.
DUCROT, Oswald e Todorov, Tzvetan. Dicionário enciclopédico
das ciências da linguagem. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva 2001.
KOCH, Ingedore Villaça. Coesão textual. 2ª ed. São Paulo: Contexto,
1990.
–––––– e ELIAS, Vanda Maria. Ler e aprender: os sentidos do
texto. São Paulo: Contexto, 2006
FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência

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