terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Gêneros Textuais e sua relação com o Passado e o Presente
Dieli Vesaro Palma (PUCSP)
INTRODUÇÃO
O tema deste texto são os gêneros textuais, no sentido que lhes atribui Marcuschi (2002), caracterizando-os como atividades sócio-discursivas. Com base em Bakhtin, ele apresenta- os como tipos “relativamente estáveis” de enunciados produzidos nas mais diversas esferas da atividade humana, não sendo, portanto, formas estruturais estáveis e permanentes. O objetivo deste trabalho é, numa perspectiva histórico-cronológica, discutir aspectos relacionados aos gêneros, destacando que o surgimento de um gênero ou as mudanças que ele pode sofrer estão relacionados às transformações na sociedade. Nessa medida, busca apontar como certos traços conjunturais de uma época, como, por exemplo, os avanços tecnológicos, na atualidade, determinam o aparecimento de novas manifestações genéricas. Essa dimensão histórica será focalizada à luz da Historiografia Lingüística, mais especificamente, com base em um dos seus princípios de análise: o princípio da contextualização.
Este artigo divide-se em quatro partes, além da introdução. Na primeira, serão conceituados a Historiografia Lingüística, como área de conhecimento da Lingüística e o princípio de contextualização, como procedimento analítico, que orientará o desenvolvimento do trabalho. Na segunda, será reconstituído o clima de opinião do século IV a.C na Grécia, mais especificamente em Atenas para, em seguida, apresentarem-se alguns gêneros que estiveram presentes nessa sociedade, como decorrência do espírito de época. Na 3ª parte, desenhar-se-á o clima de opinião do início do século XIX, como cenário para a discussão do gênero romance, revisto e firmado à luz desse momento histórico e, na 4ª parte, será esboçado o clima de opinião do século XX, sobretudo nos seus anos finais, para se discutir o surgimento de gêneros como o Chat e o Chat educacional, resultantes do progresso tecnológico. Na 5ª parte, serão feitas considerações finais sobre o tema exposto.
I- BREVE CARACTERIZAÇÃO DA HISTORIOGRAFIA LINGÜÍSTICA
Entende-se a Historiografia Lingüística não como um relato ou crônica de fatos passados, mas sim como a descrição e explicações de como se produziu e desenvolveu o conhecimento de qualquer natureza em um determinado contexto social e cultural através do tempo. (Altmann, 1998). Assim, o historiógrafo deve ter como objetivo descrever e explicar como se adquiriu, produziu e desenvolveu o saber lingüístico em determinado contexto, tendo para isso, conhecimento amplo dos diversos campos científicos e favorecendo o re-estabelecimento da História, ou seja, ele deve reconstruir no presente o passado. Um dos princípios que orienta o trabalho historiográfico é o princípio da contextualização. Em outras palavras, o historiógrafo deve retomar as idéias produzidas no período sob estudo nos diferentes campos do saber, objetivando verificar como elas influenciam o fato de linguagem sob investigação, ou seja, ele deve buscar como o espírito de época projeta-se no objeto pesquisado. Daí a breve caracterização de três épocas nessa exposição, pois nosso objetivo, ao reconstruir três momentos pretéritos da linguagem, é destacar como o espírito da época impregnou a linguagem no que tange aos gêneros e como eles, hoje, persistem sob nova configuração.
II-
A ANTIGÜIDADE GREGA E OS GÊNEROS TEXTUAIS
Os séculos V e IV a. C. caracterizam, na história grega, a chamada época clássica. É um período de intensa agitação política, de grande esplendor artístico e cultural, no qual se constroem as bases do conhecimento do Ocidente, que fundamentam as produções intelectuais de grande parte do mundo ocidental produzidas até hoje. Nesse período, Atenas reina soberana. Por volta de 510 a.C., Clístenes, cidadão de origem aristocrática, mas de tendências populares, é encarregado de proceder à revisão das leis de Sólon, dando-lhes um caráter democrático. Realiza inúmeras reformas, trazendo a paz para Atenas, o que leva ao desenvolvimento do comércio e da indústria. Assim, inicia-se a era de prosperidade ateniense, cuja democracia é consolidada por Péricles. Entre outras realizações, Péricles desenvolve ao máximo o sistema dos tribunais: em
lugar de uma corte suprema, cria tribunais populares com autoridade para julgar todos os tipos de causas. No início de cada ano, é organizada, por sorteio, uma lista com o nome de 6000 cidadãos das várias partes da região. Dela são votados os membros dos júris que atuarão nos processos privados. Cada júri procede como uma corte com poder decisório sobre todas as questões, por maioria de votos. Esses tribunais são presididos por magistrados, que não têm prerrogativas de juiz. O próprio júri é o juiz e não há apelo da sua decisão. Esse é um sistema jurídico absolutamente democrático. Por decisão de Péricles, os juízes que integram os tribunais populares passam a ser remunerados e, posteriormente, ele estende o pagamento aos membros da Assembléia Popular, que é o órgão mais importante do governo, o qual vota as leis, nomeia e vigia os magistrados ou funcionários. Tal medida atinge os atenienses pobres que assim podem participar de forma mais ativa dos assuntos públicos. Apesar dessas medidas de caráter democrático, Péricles restringe o conceito de cidadania. Os descendentes de estrangeiros, os metecos, são excluídos da vida pública. Também as mulheres e os escravos continuam não tendo direitos políticos. Assim, a democracia ateniense não abrange todos os habitantes da cidade: ela é um regime de igualdade política, reservado a uma minoria de privilegiados que constituem a classe cidadã Nessa época, em Atenas, um cidadão, ao mesmo tempo, atua como se fosse um comerciante e um deputado, podendo ainda, em certos casos, ser magistrado, empregado de menor categoria ou oficial do exército, sempre por sorteio. Nesse sentido, todos os cidadãos são iguais em direitos e tomam parte no governo e na administração pública. Esse governo de um estado em que o povo exerce a soberania, chama-se democracia. Nessa democracia, todos os cidadãos legislam ou julgam como membros da Assembléia: é uma democracia direta.
Nessa sociedade democrática, as letras e artes predominam. A Ciência, em parte de origem oriental, é produzida com alto grau de abstração e, por meio de poderoso raciocínio, atinge a perfeição das generalizações. Cumpre destacar que, nesse período, ciência e filosofia caminham juntas, em algumas áreas. É o que se pode constatar na Biologia e na Medicina. O espírito inquieto e reflexivo do ateniense leva-o a refletir sobre os problemas do homem e do universo, produzindo, assim, o desenvolvimento da Filosofia. Entre os muitos nomes dessa área podem ser destacados os de Sócrates Platão e Aristóteles. A arte grega simboliza o humanismo, considerando o homem como a mais importante criatura do universo. Essa arte, tendo como manifestações principais a arquitetura e a escultura, reúne os ideais de harmonia , ordem e moderação. Ela é a expressão da vida nacional, tendo não apenas fins estéticos mas também políticos: representa o orgulho do povo pela sua cidade.
Nesse contexto, em que democracia e orgulho da cidade unem-se, exercer a cidadania tem características específicas. Implica o uso da palavra em público, seja para participar de atividades políticas, seja de atividades jurídicas, seja de atividades festivas. É esse espírito de época que possibilita o desenvolvimento e a sistematização de gêneros.
A caracterização, a explicação e a normatização dos gêneros ocorre, pela primeira vez, na Grécia em dois ramos de atividades sócio-culturais - na literatura e na oratória - para, posteriormente, estenderem-se a outros campos humanos de ação. Inicia-se esta exposição pela oratória.
Uma das obras em que Aristóteles focaliza os gêneros é na Arte Retórica. Para o filósofo, a Retórica é um conjunto de conhecimentos de categorias e regras do qual apenas uma parte diz respeito aos aspectos lingüísticos. Ela é uma técnica entendida como “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão” (Retórica,s/d: capítulo II, p.33). É uma retórica da prova e do raciocínio, representando uma racionalização da fala selvagem cujo poder foi percebido pelos sicilianos. Aproxima-se da filosofia, apresentando três partes que são assim caracterizadas, segundo Ricoeur (1983:13): uma teoria da argumentação, uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso. A partir dessa concepção, o Estagirita apresenta a tríplice divisão dos gêneros: o jurídico, o deliberativo e o epidítico.
O gênero jurídico tem por objetivo a acusação ou a defesa, caracterizando-se como o discurso pronunciado por um advogado perante o tribunal em casos de processos penais, sempre com vistas à persuasão. Baseia-se no critério do justo e do injusto e a base da sua argumentação é o entimema2. Quanto ao tempo, esse discurso, focaliza um fato passado. O deliberativo tem por objetivo aconselhar ou desaconselhar, caracterizando-se como o discurso pronunciado pelo representante de um partido político aos membros de uma assembléia popular. Baseia-se no critério do útil e do nocivo para a cidade e a base da sua argumentação é o exemplo. Quanto ao tempo, destaca um fato futuro. O epidítico ou demonstrativo tem por objetivo o louvor ou a censura, caracterizando-se como o discurso pronunciado em situações festivas, homenageando ou vilipendiando pessoas dignas de louvor ou de crítica / injúria diante do grande público. Baseia-se no critério do belo e a base de sua argumentação é amplificação, exaltando a virtude ou o vício Quanto ao tempo, esse discurso trata de um tema de interesse atual.
Como mostra Lausberg (1972:84), os dois primeiros têm em vista uma alteração da situação realizada pragmaticamente, ou seja, no decorrer dos acontecimentos, que é exterior e socialmente relevante, a mudança ocorre no nível do pensamento. Para que se dê essa alteração, concretizada pelo árbitro da situação – juiz ou assembléia popular – os preceitos processuais devem ser rigorosamente obedecidos. Quanto ao epidítico, o objetivo de alterar a situação deve estar posto na intenção do orador que busca a confirmação de uma situação pressuposta como constante, atribuindo-lhe um valor ou de louvor ou de censura.
Sendo a Retórica uma tecné, ela tem por objetivo a formação do cidadão, desempenhando, portanto, uma função pragmática, por preparar o indivíduo para a ação, característica essencial da cidadania no contexto da cidades-estado gregas. Para atingir esse fim,o domínio dos gêneros textuais é a ferramenta fundamental para se obter a adesão de um auditório ao ponto de vista defendido. Assim, pode-se constatar que, na Grécia, em relação aos gêneros tanto houve uma reflexão teórica, representada por Platão, nA República e por Aristóteles na Poética, quanto uma proposta pragmática, explicitada na Arte Retória do Estagirita.
Levando-se em conta a literatura, o primeiro estudioso a fazer referência aos gêneros é Platão no livro III de A República. Ele busca fundamentar e caracterizar os gêneros literários e, em face da relevância de sua proposta e de sua repercussão posterior, ela é considerada um dos marcos fundamentais da genologia, ou seja, da teoria dos gêneros literários. (Aguiar e Silva, 1991:340) Seu foco é o modo de operação do poeta, a saber a representação.(Genette, 1986:26)
Segundo esse autor, para Platão, todo poema é uma narrativa de acontecimentos presentes, passados ou futuros, a qual pode apresentar-se como pura narrativa, como mimese, tal como ocorre no teatro em que o dizer se concretiza por meio de diálogos entre as personagens ou como narrativa mista, na qual estão presentes tanto a narrativa quanto o diálogo como se verifica em Homero. A partir desse critério, propõe uma divisão tripartida que abrange o gênero imitativo ou mimético que engloba a tragédia e a comédia, o gênero narrativo puro do qual faz parte prioritariamente o ditirambo e o gênero misto que se caracteriza pela epopéia. Ainda de acordo com Genette,verifica-se que toda a forma de literatura – lírica ou prosa - que não seja representação é excluída da classificação do filósofo, fato que será o ponto fulcral das discussões posteriores da poética.
Ainda na Antiguidade Clássica, o segundo filósofo a refletir sobre esse tema é Aristóteles. Ele apresenta suas idéias sobre gêneros literários na Poética. Nessa obra, invertendo a proposta de Platão, apresenta a poesia como mimética ou representativa, entendendo a mimese como a representação de acontecimentos reais ou fictivos. Assim a poesia seria a arte de imitação em verso, na qual são considerados o objeto imitado, ou seja, os seres humanos em ação que são representados como superiores, iguais ou inferiores ao comum dos mortais (Genette, 1986:28) e o modo de imitar, que pode caracterizar-se pelo contar e pelo agir das personagens por meio da fala. Em comparação com a classificação platônica, vê-se que o gênero misto desaparece na classificação aristotélica. Para Genette, essa diferenciação mostra diferentes situações de enunciação: “no modo narrativo o poeta fala em seu nome próprio, no modo dramático são as próprias personagens, ou mais exactamente, o poeta disfarçado doutras tantas personagens.” (p.29) Essa posição de Genette já aponta para questionamentos futuros que serão feitos sobre os gêneros, sobretudo com base em Bakthin, nos quais o contexto e a interação, elementos da enunciação, serão aspectos essenciais.
Cruzando os dois tipos de objetos com os dois modos de expressão, ter-se-ão quatro classes de imitação, que correspondem ao que tradicionalmente é chamado de gêneros literários.Tem-se assim a tragédia, em que o poeta conta ou põe em cena personagens superiores e a comédia, em que o poeta conta ou põe em cena personagens inferiores. A primeira caracteriza o dramático superior e a segunda, o inferior. Ao lado desses dois gêneros, tem-se a epopéia ou narrativo superior e a paródia ou narrativo inferior, centrados no narrar.
É conveniente destacar-se que o modo dramático é o privilegiado pelo Estagirita, sendo destacada na Poética a superioridade dele em relação ao modo narrativo, sobretudo a tragédia , por ser ela a “imitação de uma ação de caráter completo, de uma certa extensão, em uma linguagem assinalada por temperos de uma espécie particular conforme com as diversas partes, imitação que é realizada por personagens em ação e não por meio de uma narrativa e que, suscitando piedade e temor, opera a purgação própria a emoções semelhantes.” (apud Costa Lima, 2002:255). A comédia, em contraposição, consiste na imitação de pessoas inferiores; ela focaliza o feio sem atingir, porém, a vilania, resultando de uma falha da personagem, tal como ocorre na tragédia, sem contudo causar dor ou destruição, não possibilitando, portanto, a catarse. Seu objetivo é expor a personagem ao ridículo. Assim, no entender de Costa Lima (2002:256), esses dois gêneros diferenciam-se pelo tratamento diverso que é dado à falha da personagem: hamartia para a tragédia e hamartema para a comédia. Na tragédia, a hamartia é tomada literalmente e a sua punição é ampliada; na comédia, a hamartia é distorcida pela caricatura e a punição é marcada pelo malogro e pela mortificação, sendo, portanto, ridícula.
A épica, modo narrativo superior, por seu turno, apresenta estreita relação com a tragédia, uma vez que suas partes são praticamente as mesmas, diferenciando-se dela, porém, pelo metro e pela extensão. Apesar de caracterizar esse gênero como narrativo, Aristóteles, reconhece e destaca o seu caráter misto, já que, na epopéia, há palavras introdutórias proferidas pelo poeta que, em seguida, cede a palavra ou a cena às personagens. Quanto à paródia, o narrativo inferior, caracteriza o narrativo cômico concretizando-se na imitação / cópia de epopéias. Esse gênero não sobrevive até os dias atuais.
Ele acrescenta um terceiro critério para sua classificação, os meios, representando a expressão por meio de gestos ou palavras ou ainda em verso ou em prosa; entretanto esse aspecto, segundo Genette (1986:29), não foi aprofundado na Poética.
Em síntese, a reflexão grega sobre os gêneros, a partir da literatura, apresenta ou a tripartição platônica (gênero narrativo, misto e dramático) ou o par aristotélico (gênero narrativo e gênero dramático), apresentado na Poética, tendo sido essas propostas orientadoras das discussões sobre o tema, desenvolvidas ao longo de 2000 anos. Nessas duas classificações, não parece estar explicitamente contemplado o gênero lírico, que será objeto de uma sistematização posterior.
Em suma, no século de ouro da vida ateniense, há uma decorrência natural entre a relação democracia e gêneros textuais assim como entre a relação produção artística e gêneros, tendo sido gestadas, nesse período, modalidades genéricas que, ao longo dos tempos, sofrerão modificações, originando novos gêneros .
III- A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL DO SÉCULO XIX E OS GÊNEROS TEXTUAIS
Os séculos XVII e XVIII d.C. foram marcados pela Revolução Intelectual, a qual abre espaço, nos séculos XIX e XX, para a Revolução Industrial, decorrente do grande progresso da ciência e da técnica. Esse espantoso desenvolvimento científico ocorre na época do Romantismo, podendo ser destacadas como causas, entre outras, as seguintes: aplicação rigorosa do método de observação e experimentação; invenção de aparelhos como a câmara fotográfica e o espectroscópio; aperfeiçoamento de aparelhos como o microscópio e o telescópio; aumento do número de investigadores, como conseqüência do aumento de escolas superiores, do nível de educação das massas e do interesse pela cultura e pelas ciências humanas. Para muitos estudiosos, o século XIX é o início da era científica. Podem ser constatados avanços na Matemática, na Astronomia, na Física, na Química, na Biologia, nas Ciências Naturais, nas Ciências da Linguagem, nas Ciências Sociais e na Filosofia.
No final do século XVIII, ocorrem guerras e revoluções, em diversos países, que abolem as elites governantes e, segundo Saraiva (1961:105), elas privam de sua base de vida a elite literária que se exprimia na tragédia e em outros gêneros clássicos. A sociedade passa por grandes transformações como decorrência dos princípios defendidos pela Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade, Fraternidade. Esses princípios terão profundos reflexos na produção artística do século XIX e na constituição da sociedade.
Nesse sentido, do ponto de vista político, as idéias liberais, surgidas na Inglaterra e difundidas na França, triunfam com a Revolução Francesa. A partir delas, do ponto de vista social, surgem duas classes distintas e em oposição: a classe dominante, representada pela burguesia capitalista industrial, e a classe dominada, representada pelo proletariado. Essa configuração de sociedade vai conviver com as novas manifestações da arte, representadas pelo Romantismo.
Especificamente em relação à literatura, o Romantismo é visto como um movimento literário, que caracteriza um estilo de vida e de arte predominante na civilização ocidental, no período que compreende, aproximadamente, a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, marcado por traços como, imaginação criadora, subjetivismo, evasão ou escapismo, senso do mistério, consciência da solidão, reformismo, presença do sonho,da fé, do ilogismo, do culto à natureza, do retorno ao passado, pela ânsia de glória e pela idealização da mulher. É, portanto, um movimento de reação ao racionalismo do século XVIII, tendo ultrapassado o âmbito da arte e significado uma profunda revolução espiritual ampla e complexa. Além dos traços apresentados, propõe ainda mistura de gêneros, opondo-se às normas clássicas, que limitavam e fixavam os gêneros, fazendo–os, inclusive, corresponder a uma hierarquia social. Impõe a mescla, a evolução, a transformação e o desaparecimento de velhos gêneros, bem como o nascimento de novos. Esse processo vai ao encontro do novo status social vigente, no qual a burguesia assume o lugar da aristocracia, adequando-se a literatura do ponto de vista de seus gêneros ao povo. Nesse sentido, para Compagnon(http://www.fabula.org/compagnon/genre.php.), há uma nova tripartição dos gêneros em romance, poesia e teatro. O romance sofre variações, ganhando a simpatia do novo tipo de leitor.
Em relação a esse gênero parecer ser importante refazer-se o seu histórico para melhor compreendê-lo no contexto do século XIX. O romance, como gênero textual, não nasce no século XIX. Sua origem pode ser situada nas narrativas orais primitivas e nas proximidades da epopéia, a qual, por pressões sociais, vai sofrendo alterações ao longo dos tempos. No século XVI, por exemplo, na literatura espanhola, encontra-se o romance picaresco, como o Lazarillo de Thormes, que narra as proezas de um pícaro, homem jovem, pobre e ardiloso que vive aventuras plenas de sobressaltos e de imprevistos. Apesar dessa longa história, o gênero romance, tal como é conhecido hoje, é um gênero recente.
A palavra romance surge na Idade Média, referindo-se a um modo de falar, típico das línguas românicas em oposição à forma da língua latina. Caracteriza-se como um registro popular e inferior tal como o gênero que futuramente essa palavra vai designar, considerado subalterno em relação a outros mais nobres. Assim, a produção registrada em romance, seja em poesia, seja em, prosa, como poemas hagiográficos, epopéias em versos octossilábicos e relatos de estilo romanesco, caracteriza-se pela ruptura com a oralidade e indica o surgimento de uma nova retórica que marcará futuramente o romance moderno que terá como marcas a presença do cotidiano, a preocupação com verossimilhança, a valorização do individual em lugar do coletivo, a rapidez da narração e o gosto pela amplificação.
Apesar dessas particularidades, definir-se romance tem sido um desafio enfrentado pelos teóricos. Stalloni (2003: 94), com base em Coulet, apresenta uma das primeiras definições desse gênero, a qual foi proposta por Huet em 1670, dando ênfase aos aspectos essenciais dessa modalidade genérica e mostrando sua estreita relação com o espírito da época em que são produzidas as obras que a concretizam e com a necessidade de observância das marcas genéricas:
O que se chama propriamente de romances são histórias fingidas de aventuras amorosas, escritas em prosa, com arte, para o prazer e a instrução dos leitores. Digo histórias fingidas a fim de distingui-las das histórias verdadeiras; acrescento aventuras amorosas porque o amor deve ser o principal assunto. É preciso que elas sejam escritas em prosa, para que estejam em conformidade como o uso deste século; é preciso que sejam escritas com arte e sob certas regras, pois de outra forma não passariam de um amontoado confuso, sem ordem, nem beleza.
(Carta ao senhor de Segrais sobre a origem dos romances (1670), reproduzida em Idéias sobre o romance, org. de Henri Coulet, Larousse, 1992, p. 110)
Apesar do pouco caso com que muitos estudiosos tratam o romance, conforme destaca Stalloni (2003:102 apud M. Zeraffa), como Boileau, por exemplo que não faz referência a ele e outros teóricos que o consideram uma epopéia decaída, ele se impôs a partir do século XVIII em face das mudanças sociais, tendo passado de expressão menor a gênero quase absoluto por sobrepor-se aos gêneros clássicos.
Nesse período, como exemplo da estreita relação entre mudanças sociais e surgimento e/ou renovação de modalidades genéricas destaca-se o romance policial. Dadas as condições da sociedade, no final da primeira metade do século XIX, surge um novo tipo de romance, nos Estados Unidos, na prosa de Edgar Allan Poe.
É o surgimento de jornais populares dirigidos a um público específico, afeiçoado a narrativas de fatos raros, relatados nesses periódicos, é a nova realidade dos centros urbanos industriais com problemas de insegurança, que levam a população a não confiar na polícia em face de seus quadros serem constituídos por ex-infratores, é a adesão às idéias positivistas e à nova concepção de Homem, é a aceitação de que o criminoso é um inimigo social, enfim é o somatório de todos esses fatores que levam ao nascimento do romance policial moderno, o qual teve plena aceitação popular, desempenhando, inclusive, uma função social, o do ócio produtivo.
De acordo com Reimão (1983:18), esse novo gênero introduz um arquétipo literário, o detetive amador, que coleciona enigmas. Nesse sentido, afirma o autor:
Para Dupin, assim como para a maioria dos detetives posteriores ao chamado romance enigma investigar é um “hobby” um passatempo que se apresenta como um substituto do ócio, e esta será a forma básica de apresentação da narrativa policial ante o leitor – a narrativa policial, pelo menos em seu início, propor-se-á ao leitor como uma agradável e estimulante forma deste último ocupar seu ócio.
O teatro, por sua vez, também se renova, ao libertar-se das amarras das regras das três unidades, permanecendo apenas a unidade de ação. Ele amplia a sua temática, tomando forma nova, cores e costumes locais, fundamentando-se, enfim, nas particularidades da sociedade. O drama romântico, marcado pelo contraste, une o belo e o feio, o nobre e o grotesco, ligando ainda verso e prosa. Em suma, nova configuração social e novas formas de pensar conduzem à renovação dos gêneros.
IV -A ERA DA TECNOLOGIA E OS NOVOS GÊNEROS TEXTUAIS
Focalizar-se o século XX é, do ponto de vista cultural, compor-se um multifacetado quebra-cabeças que identifica esse período. São evidências dessa diversidade as diferentes qualificações atribuídas pelos estudiosos a ele, que também do ponto de vista cronológico, não é consensualmente caracterizado pelas mudanças em todos os campos que apresenta. Assim, Hobsbawn (1995) denomina-o a Era dos Extremos, marcando-o temporalmente entre os anos 14 e 91. Sevcenko (2001) , por sua vez, utiliza a metáfora da montanha-russa, tentando sintetizar com ela as emoções vivenciadas pelo homem, em face de novas descoberta, em face dos acontecimentos vividos, seja pela sua intensidade (pense-se nas duas grandes guerras e outras menores), seja pela sua extensão em face do progresso rápido e assustador (aeroplano, supersônicos, cinema, televisão, Internet), enfim em face dos rumos tomados pela humanidade nesses cem anos. Portanto, em espaço exíguo não é fácil caracterizar-se o século passado.
Nesse momento, é importante chamar-se a atenção para dois aspectos que estão mais diretamente relacionados com os propósitos deste artigo: o progresso tecnológico e a importância da linguagem nesse período. O primeiro decorre da indústria bélica, uma vez que as guerras ocorridas no novecentos diferenciam-se profundamente das contendas de períodos anteriores: não é a luta em que os adversários se confrontam mais proximamente, mas são batalhas em que o aparato bélico passa a ser o elemento principal. Como decorrência da produção desse tipo de material, outros avanços surgem: nos eletrodomésticos, nas máquinas utilizadas para a comunicação a distância, na Medicina, com aparelhos cada vez mais sofisticados, etc.Também novos materiais decorrem dessa industria bélica, que trazem avanços na Biociência, por exemplo. Um desses progressos tecnológicos está na área da comunicação, o que facilita a globalização, outra característica do século XX. A Internet, que hoje conecta o mundo, resulta desses avanços, auxiliados pelo computador, outra conquista dessa época. Nesse processo, as tecnologias da informação têm impactado os diversos setores da sociedade, num mundo globalizado e conectado em rede. Esse deslocamento tem afetado não só a organização da sociedade mundial mas também a mentalidade dos indivíduos que a integram, o que pode ser comprovado pelas palavras de Fernández (1998:14), ao afirmar:
Quem tiver a informação, a tecnologia e o domínio desta para utilizar e explorar aquela, poderá produzir mais e conseqüentemente ser mais competitivo. Esse simples fato, que em outros momentos significaria uma vantagem limitada, ao final e começo de século, com uma economia globalizada, que, por sua vez, torna possíveis também as novas tecnologias da informação e da comunicação, nesses momentos, dizíamos, esse simples fato muda o panorama econômico do mundo, condiciona e reorienta o futuro das pessoas, de seu trabalho, das formas de se relacionarem, de se distraírem ou de se divertirem. Definitivamente, mudam as bases materiais de nossas vidas e, em conseqüência, muda a sociedade. 4 (Tradução da autora)
Ainda segundo esse autor, cumpre-se a profecia de McLuhan, quando via os meios de comunicação como extensão do homem. Nesse sentido, ele destaca que as novas tecnologias da informação e outras existentes na sociedade da informação têm a função de potencializar o poder da mente e do conhecimento humano, possibilitando a materialização de sonhos, fantasias e projetos que se tornarão reais na futura sociedade do conhecimento.
O segundo aspecto importante a ser destacado é o papel relevante que a linguagem ganha nesse período. Ela está presente em diversos campos do saber humano, como na Filosofia em que diferentes correntes de pensamento discutem sua natureza e importância na vida humana, nas artes nas quais é objeto de experimentação, como ocorre na pintura, na Música, na Escultura e, sobretudo, na Literatura (o Modernismo é um excelente exemplo desse interesse pela linguagem) e na própria ciência, uma vez que a Lingüística como a ciência que tem como objeto de estudo a linguagem surge e firma-se nesse período. Em suma, avanços tecnológicos e linguagem são dois eixos que orientam a construção de conhecimentos no novecentos.
Como conseqüência desse progresso tecnológico, já se disse, surge a possibilidade de conexão entre os indivíduos que espacialmente estão distantes. Conectam-se em rede para as mais diversas atividades, desde a concretização de negócios até as conversas informais. Esse novo aparato amplificador da produção e da recepção de informações caracteriza uma nova modalidade de comunicação: a terciária (cf. Palma, 2002: 115), a qual levará ao surgimento de novos gêneros textuais, entre eles o Chat. Assim, a tecnologia, tem produzido novos gêneros que caracterizam a chamada e-comunicação (cf. Marcuschi, 2004:13).
Dessa forma, o impacto da tecnologia na vida contemporânea é muito grande e tanto poderá ser benéfico como destruidor. O uso abusivo da Internet, por exemplo, pode causar danos irreparáveis a crianças e adolescente, como o afastamento do convívio social real, fato já apontado por muitos especialistas. Marcuschi (2004:14), apoiado em Crystal, chama a atenção para a participação indefinida nos bate-papos em salas abertas, vista como uma atividade que se parece com um enorme jogo maluco sem fim ou, então, assemelha-se a uma “festa lingüística” (linguistic party) para onde levamos nossa “língua” ao invés de nossa bebida.
A Internet contém uma área com documentos em hipermídia, a WEB (World Wide Web ou WWW), uma combinação de hipertexto, outra manifestação de linguagem hoje muito freqüente, decorrente da tecnologia, com multimídia. Os documentos em hipermídia contêm textos, imagens e arquivos de áudio e vídeo, além de ligações com outros documentos na rede. Nesses documentos, as linguagens misturam-se e completam-se. Nesse contexto, segundo Marcuschi (op. cit.:14), a introdução da escrita eletrônica está produzindo uma cultura eletrônica, com uma nova economia da escrita. Essa situação, ainda de acordo com esse autor, gera o letramento digital, fenômeno a ser melhor conhecido e leva à radicalização da escrita, conceito proposto por Yates, tornando a sociedade contemporânea textualizada, ou seja, vive um processo de passagem para o plano da escrita. Concomitante ao aparecimento de uma nova forma de letramento, surge também uma nova forma de exclusão, a digital, que afasta um enorme contingente de seres humanos do acesso à informação, na chamada sociedade do conhecimento. 5 São os paradoxos criados pela tecnologia.
O Chat como gênero textual caracteriza-se como um espaço para a conversa informal, a chamada sala de bate-papo. Veio substituir, em face das características da vida moderna, a antiga rodinha de amigos. Em sentido amplo, apresenta como características ser uma produção escrita e síncrona, na forma de diálogo, no qual os turnos não ocorrem necessariamente em seqüência encadeada, por razões, muitas vezes, técnicas, sendo os textos produzidos nos turnos de curta extensão. A linguagem utilizada está próxima da oral, porém grafada, como forma de interação entre os membros do grupo. Hoje, essa modalidade genérica tem um papel relevante na vida de muitas pessoas, sobretudo na dos adolescentes.
Também como decorrência da tecnologia, surge a educação a distância e, para garantir um aspecto fundamental do processo de ensino e aprendizagem, qual seja, a interação, cria-se o Chat educacional, apontado por Geraldini (2003- mimeo), como um instrumento útil para nos apropriarmos de novas formas de organizar e administrar os relacionamentos interpessoais nesse novo contexto, ou seja, nos apropriaremos de novos modos de interação social em um ambiente voltado à construção conjunta do conhecimento. Essa nova forma de interação leva à produção de novas modalidades de enunciados que, pelo uso constante nesse ambiente e nesse tipo de meio, produzem um novo gênero textual. Em suma, o bate-papo informal, gênero estritamente oral, passa, pela pressão de novos cenários presentes no mundo contemporâneo, por um processo de mudança, gerando o Chat, o qual, por sua vez, sofre adaptações para ser utilizado em uma nova modalidade de educação na qual professor e alunos não partilham o mesmo espaço real, mas interagem por meio do ambiente virtual.
V- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo objetiva mostrar, numa perspectiva histórico-cronológica, seguindo princípios da Historiografia Lingüística, a relação entre as formas de pensar de um dado período, o seu espírito de época, e o aparecimento ou modificação de gêneros textuais. Ao longo da exposição verificamos que cada um dos períodos destacados tem uma marca em seu espírito de época: o século de ouro de Péricles centra-se no exercício da cidadania, sendo a democracia o seu eixo norteador, daí o desenvolvimento da retórica e dos gêneros a ela ligados; além disso, a importância da arte na sociedade ateniense, como manifestação de harmonia e equilíbrio, exige, para não haver rupturas, a sistematização de normas na produção artística, daí os gêneros da poética. No século XIX, nos seus anos iniciais, a grande preocupação é a liberdade em sentido
amplo, daí, na literatura, a renovação do romance e do teatro, que rompem com as amarras da tradição; nos anos finais do século XX, a tecnologia assume um papel fundamental na vida do homem, mesmo porque, como diz Castells (1999), vivemos na sociedade da informação e não mais da globalização. Para se ampliarem as possibilidades de acesso a ela, a conexão é fundamental. Uma das formas de estar com outro são as salas de bate-papo, que, com a necessidade de aumento, sobretudo no Brasil, dos índices de escolaridade, transformam-se no Chat Educacional. Todas essas situações mostram-nos que espírito de época e gêneros textuais caminham de mãos dadas, o que justifica afirmar-se que os gêneros surgem ou modificam-se para atender a demandas específicas das diferentes comunidades que compõem a sociedade, decorrentes do momento vivido por esses grupos, seguindo a uma forma de pensar típica desse período. A descrição de gêneros com base no espírito de época possibilitou a reconstrução do passado no presente, evidenciando que, em termo de gêneros textuais, ocorre, com muita freqüência, a permanência deles na atualidade sob novas roupagens, condizentes com as necessidades e expectativas da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Obs: O narrativo puro que, para Platão era representado pelo ditirambo, forma narrativa de poesia , não parece estar claramente relacionado à poesia lírica nA República; entretanto Aguiar e Silva (1991:341) aponta que “a diegese pura, sob o ponto de vista técnico formal da enunciação, abrange a poesia lírica (e sublinhe-se) o ditirambo, referido por Platão como manifestação exemplar da diegese pura, constitui uma das variedades da lírica coral grega.”
http://www.pucsp.br/pos/lgport/downloads/publicacao_docentes/generos_textuais_Dieli.pdf

sábado, 10 de dezembro de 2011

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Modalidades de manipulação

Segundo Greimas, existem quatro modalidades de manipulação: a tentação, a sedução, a provocação e a intimidação.

Tentação -nesta relação, o manipulador oferece ao manipulado um objeto de valor positivo: Exemplos: quando a mãe oferece um doce ao filho se ele se alimentar bem; quando, em uma empresa, são oferecidos bônus de salários para quem obtiver melhores resultados positivos em suas metas.

Intimidação - neste caso o manipulador oferece ao manipulado um objeto de valor negativo. Ele usa o medo e faz ameaças para conseguir o que deseja. Exemplos: quando a mãe ameaça bater no filho se ele não comer tudo; quando em uma empresa, o líder levanta a possibilidade de demitir quem não atingi as metas estabelecidas.

Sedução - nesta modalidade o manipulador "mexe" com o ego e com a autoestima do manipulado atribui um juizo de valor positivo ao manipulado . Ele "levanta a moral" do seu interlocutor . Por exemplo : a mãe diz para o filho o quanto é mocinho, grande e inteligente e por isso será capaz de comer tudo sozinho. Em uma empresa o líder aponta as qualidades da equipe, exalta a importãncia do trabalho em grupo destaca atributos individuais dos colaboradores que beneficiam a empresa. Por orgulho e por estar com autoestima elevada, o manipulado "faz acontecer".

Provoação - neste caso ocorre o posto a sedução. O manipulador atribui juizo de valor negativo ao manipulado. Derruba a sua autoestima com objetivo de provocá-lo. Também "mexe" com o ego e com o orgulho do outro. Exemplo: quando a mãe compara o filho mais novo com o mais velho , levantando suas qualidades , é como se ela estivesse afirmando que o irmão mais novo tem as qualidades que estão faltando no irmão mais velho. Em uma empresa, a provoação ocorre quando o líder põe em dúvida o desempenho de algum colaborador.




O conceito de enunciação em Benveniste e em Ducrot 1
Leci Borges Barbisan
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - Brasil
Resumo
Analisa-se a noção de enunciação os trabalhos de Émile Benveniste
e Oswald Ducrot e o modo como a construção desses conceitos conduz à
focalização de objetos de estudo distintos nas duas teorias.
Palavras-chave: Benveniste - Ducrot - enunciação
Abstract
In this work it is analyzed the notion of enunciation in Émile Benveniste
and Oswald Ducrot works. Besides that, in this work it is analyzed the way that
the construction of these two concepts leads to focusing on two different objects
of study in these theories.
Key words: Benveniste - Ducrot - enunciation
Introdução
Quem se dispuser a fazer uma revisão dos estudos sobre a linguagem
verbal ao longo de sua história certamente perceberá com muita facilidade que a
preocupação dos estudiosos com a descrição e a compreensão do funcionamento
dos elementos que pertencem ao código da língua sempre teve quase total prioridade
sobre os fenômenos que se produzem quando a língua é empregada para a
comunicação entre seres humanos. Relativamente pouco esforço tem sido feito no
sentido de se entender, por exemplo, as múltiplas modificações que se introduzem
no sentido quando elementos do código estão subordinados à utilização que os
sujeitos fazem da linguagem, o que, no entanto, não pode ser desconsiderado, visto
que trazem como conseqüência especificações particulares ao geral do sistema.
Os aspectos lingüísticos da enunciação, é verdade, estão presentes já nas
gramáticas gregas e latinas, na semiótica de Peirce, na noção lingüística por vezes
ambígua de dêixis e, mais recentemente, nos trabalhos de Jespersen, Jakobson, sem
esquecer todavia Bakhtin, Bally que em seus escritos se dedicaram especificamente
ao estudo da enunciação. Mas foi realmente Émile Benveniste quem, com seus
principais textos reunidos nos dois volumes do Problèmes de Linguistique Générale deu
o impulso necessário para que se desenvolvessem na Lingüística outras reflexões
igualmente notáveis sobre o uso da linguagem verbal.
Tendo em vista a área assim delineada, temos a intenção de reunir nestas
páginas alguns elementos que indicam que, levando em conta a preocupação
dominante na Lingüística com o código da língua e fundamentando-se em
conceitos estruturalistas semelhantes, dois modos distintos de entender a
enunciação surgiram na história do estudo da linguagem, inicialmente a de Émile
Benveniste e, mais recentemente, e ainda em pleno desenvolvimento, a de Oswald
Ducrot, ambos na França.
Não se espere, porém, encontrar, nas páginas aqui apresentadas, um
trabalho original que traga alguma contribuição à compreensão do funcionamento
da linguagem. Ao contrário disso, o que vai ser dito não é mais do que uma
leitura, apoiada em nomes consagrados, de alguns textos que nos parecem
elucidativos do conceito de enunciação nesses dois lingüistas. O objetivo é
o de trazer apenas algumas indicações e talvez um possível esclarecimento
sobre o tema, por meio da distinção que, entre eles, se procura estabelecer.
Justifica-se a aproximação e a distinção entre as teorias criadas por Émile
Benveniste e Oswald Ducrot, quanto ao conceito de enunciação, pelo fato de
que ambos partem de conceitos saussurianos que, modificados, ampliados,
ressignificados, resultam na afirmação de abordagens distintas do o uso da
linguagem, focalizando, conseqüentemente diferentes objetos de análise, chegando
assim a conceituações próprias da enunciação.

1 A proposta de Benveniste
É sabido que Benveniste alicerça sua teoria em conceitos estruturalistas.
Ducrot (1989a), no capítulo VI, corrobora essa afirmação – facilmente verificável
em diferentes textos do Problemas de lingüística geral – quando diz que Benveniste
aceita as exigências metodológicas de Saussure e descreve a língua como o fundamento
das relações intersubjetivas (p. 149). Retomando-se, do modo mais fiel possível,
quatro textos de Benveniste, é possível encontrar tanto o ponto de partida de
sua proposta semântica, a lingüística saussuriana que tem na língua seu objeto de
estudo, oposta à fala, quanto seu ponto de chegada, sua concepção de enunciação,
que vê a linguagem em uso associada à língua. Escolhemos como textos que podem
nos conduzir ao que nos propomos: Os níveis da análise lingüística (1962), A forma e
o sentido na linguagem (1966), O aparelho formal da enunciação (1970) e Da subjetividade
na linguagem (1958).
Vemos em Os níveis da análise lingüística de Benveniste o que propomos
que se considere como um momento de uma caminhada que vai resultar em seu
conceito de enunciação. Nesse artigo, o autor parte da análise da língua como forma,
aludindo ao método estruturalista de segmentação e substituição, que conduz às
relações sintagmáticas e paradigmáticas entre os elementos do sistema, método
adotado pela Lingüística de sua época. Nesses procedimentos de análise, a noção
de nível torna-se essencial para a descrição da natureza articulada da linguagem,
e é nessa noção que Benveniste vai fundamentar a distinção que estabelece entre
forma e sentido, indo do nível inferior, constituído pelos elementos merismáticos,
ao nível superior, o da frase. Sob essa perspectiva, as entidades lingüísticas
admitem dois tipos de relação: distribucionais, entre elementos de mesmo nível
e integrantes entre elementos de nível mais alto. Ficam assim estabelecidos dois
limites: o do nível inferior, dos merismas, e o do nível superior: o da frase. A frase
Programa de Pós Graduação em Letras - PPGL/UFSM
se define por seus constituintes e não pode integrar nenhuma unidade mais alta
e o merisma só se define como integrante, não podendo ser segmentado em
constituintes. Há um nível intermediário, o do signo, que pode conter constituintes
e funciona como integrante de um nível mais alto. A distinção entre constituinte e
integrante é fundamental porque, a partir dela se compreende a relação entre forma
e sentido. A dissociação constitui a forma, a integração cria unidades significantes.
Então, para Benveniste, a forma é a capacidade que tem o sistema de se dissociar
em constituintes de nível inferior; o sentido é sua capacidade de integrar unidades
de nível superior.
A frase se apresenta como um domínio novo; pode ser segmentada, mas
não pode integrar outro nível. Não é uma classe de unidades distintivas. Sua
propriedade fundamental é a de predicar, pois não há frase fora da predicação;
é a linguagem em uso. Do ponto de vista semântico, os signos da língua têm uma
significação no sistema, enquanto a frase tem sentido e é informada de significação.
Entende-se, levando-se em conta a própria terminologia adotada, que o valor
semântico do signo, definido pela língua, não é o mesmo que o da frase, construído
pelo uso da linguagem.
Retomando-se a proposta a proposta resumida anteriormente, com vistas a
justificar o tema escolhido para estas linhas, Benveniste, nesse momento de suas
reflexões sobre a linguagem, parte do estudo da língua tal como era visto em
sua época, sem rejeitar a importância que a língua tem para a compreensão do
uso da linguagem. Por outro lado, reelabora esse estudo, introduzindo em sua
abordagem o sentido, muitas vezes posto de lado nos estudos lingüísticos sobre
a forma. Infere-se assim que forma e sentido não se excluem, embora sejam duas
lingüísticas distintas, em que uma se ocupa dos signos formais, estudados por meio
de uma metodologia rigorosa, e a outra se interessa pela utilização da língua em
seu uso. Entretanto, seu objeto de estudo é o discurso, a manifestação da língua no
uso da linguagem. Com a frase, deixa-se o domínio da língua como sistema e entra-se no
universo da língua como instrumento de comunicação, cuja expressão é o discurso (1966: 130).
Em outra publicação, de 1966b, sobre a forma e o sentido na linguagem,
Benveniste volta ao tema, avançando em suas reflexões, mas sem alterar a importância que concede à língua, aos elementos lingüísticos que constituem
o sistema. Desta vez, menos preocupado em mostrar o papel já demonstrado
que a língua desempenha no uso da linguagem, o lingüista desenvolve de modo
mais aprofundado o aspecto semântico de sua teoria. Para tanto, parte da idéia
de que a oposição forma/sentido coloca o lingüista no âmago da linguagem que é
o problema da significação. Antes de mais nada, afirma ele, a linguagem significa (p.
217), e insiste dizendo que a significação é o próprio ser da linguagem, não é algo
que lhe seja acrescentado. Com isso, ele quer ultrapassar a doutrina saussuriana de
signo, constituído de significante (forma) e significado (visto como a aceitabilidade.do
signo na comunidade de fala). Assim, significar é ter sentido construído por uma
rede de relações com outros signos que o definem no sistema. É o domínio do
semiótico, do sistema lingüístico. Logo, e isso é afirmado com muita clareza, não há
relação língua/mundo, o signo tem valor genérico, as oposições são de tipo binário.
Os signos estão sempre em relações paradigmáticas.
Para Benveniste, signo e frase são distintos e exigem descrições distintas
Diferentemente de língua e fala de Saussure, ele vê na língua, forma e sentido.
A forma é a língua como semiótica, com função de significar, a frase, como
semântica, com função de comunicar pela linguagem em ação, na mediação
entre homem e homem e homem e mundo, em seu papel de transmissora de
informação, de comunicadora de experiência, organizando a vida dos homens.
É o “empreendido” (intenté, p. 225) pelo locutor, a expressão de seu pensamento.
Não são desprezadas, no uso da linguagem, as noções do semiótico, mas essas
noções são outras, porque adquirem relações novas. Assim, enquanto o
semiótico é uma propriedade da língua, o semântico é o sentido construído pelo
locutor que emprega a língua, é a idéia que ele expressa servindo-se de palavras
integrantes de sintagmas particulares, em suas relações sintagmáticas. Então, o
valor semântico resulta da articulação entre relações paradigmáticas e sintagmáticas.
Mais uma vez, embora forma e sentido constituam duas lingüísticas
distintas, o semântico, o uso da língua, não prescinde do semiótico, da forma. Ambos
se articulam e convergem para a construção do sentido no uso da linguagem.
Semiótica e semântica têm métodos distintos de análise, mas não se opõem, ao
contrário se complementam. Assim, Benveniste parte de conceitos saussurianos:
signo, relações paradigmáticas e sintagmáticas, mas os ultrapassa, focalizando o aspecto
semântico da linguagem, redefinindo língua e fala e articulando-as.
Em 1970, em seu conhecido texto O aparelho formal da enunciação, retomando
de certo modo noções como forma e sentido, mas avançando em suas reflexões,
Benveniste trata do emprego das formas e do emprego da língua. Vê no emprego das formas
uma parte necessária de toda descrição lingüística que, metodologicamente deu
lugar a muitos modelos. O emprego da língua é entendido como um mecanismo total
e constante que, de um modo ou de outro, afeta toda a língua (p. 80). Relacionada com
o emprego da língua está a definição de enunciação como sendo a necessidade de
referir pelo discurso, o que leva a que se veja a referência como parte constitutiva
da enunciação. A enunciação é vista como um processo, um ato pelo qual o locutor
mobiliza a língua por sua própria conta. É o ato de apropriação da língua que
introduz aquele que fala na sua fala. O produto desse ato é o enunciado, cujas
características lingüísticas são determinadas pelas relações que se estabelecem
entre o locutor e a língua. Assim, a enunciação é o fato do locutor, que se apropria
da língua, e das características lingüísticas dessa relação. A enunciação converte a
língua em discurso pelo emprego que o locutor faz dela. Desse modo, a língua se
semantiza.
Ao se apropriar individualmente do aparelho formal da língua, o locutor enuncia sua posição com marcas lingüísticas específicas. Como tal, ele implanta o
outro, o alocutário, diante de si. Cada produção de discurso constitui um centro de
referência interna. Nele emergem marcas de pessoa (relação eu-tu), de ostensão, de
espaço e de tempo, em que eu é o centro da enunciação. É somente pela enunciação
que certos signos passam a existir. É também pelo fato de que o locutor ou enunciador,
ao se enunciar, influencia o comportamento do alocutário que tomam sentido
as funções sintáticas: a asserção, a interrogação, a intimação e ainda algumas
modalidades formais (modos verbais, desejo, etc.). No enunciado surge também
o ele, a não-pessoa, o qualquer um ou qualquer coisa de que se fala no discurso. Com esse texto, pensa-se ter apresentado uma rápida revisão dos aspectos
que caracterizam o conceito de enunciação, fundamental na proposta teórica
de Émile Benveniste. Para defini-lo, conceitos saussurianos são retomados, mas modificados e ultrapassados. Como para o mestre de Genebra, também
para Benveniste continuam a existir dois níveis na linguagem, mas entendidos
de modos diferentes e não mais dissociados, a noção de relação entre elementos
se mantém, constituindo paradigmas e sintagmas, o signo é repensado, o sentido
passa a ocupar o lugar principal e o sujeito, excluído da proposta saussuriana,
torna-se o centro de referência para a construção do sentido no discurso. Com
essas modificações, a lingüística da fala que, no Curso de Lingüística geral ocupa o
segundo plano e não é considerado objeto de estudo para o lingüista, passa a ser,
a partir da reformulação dos próprios conceitos de Saussure, a Lingüística.
Outras teorias, entretanto, também se ocuparam do uso da linguagem e definiram enunciação. É propósito deste texto trazer apenas uma: a de Oswald
Ducrot, criador da Teoria da Argumentação na Língua. Justifica-se a escolha por se
tratar de uma teoria que, como a de Benveniste, parte de conceitos estruturalistas
saussurianos, também os modifica, amplia, ultrapassa, mas o faz de outro modo.
2 A proposta de Ducrot
A Teoria da Argumentação na Língua é uma teoria estruturalista em que
as noções de signo, de relação e de língua e fala têm papel relevante. O signo, na
concepção saussuriana, é elemento da língua e só se define pela sua relação com
outros signos. Na teoria de Ducrot, o signo é a frase, isto é, estrutura abstrata,
criada pelo lingüista, e seu significado é constituído pelas possibilidades de relação
semântica que ela apresenta com outras frases. A relação entre frases se produz
no enunciado, entendido como um segmento de discurso. Enunciado e discurso têm,
pois, um lugar e uma data, um produtor e um ou vários ouvintes. É fato empírico,
observável e não se repete. Como se pode perceber, as noções de signo, relação,
língua e frase encontram-se subjacentes a esses conceitos, mas modificados. Do
ponto de vista semântico, a significação é o valor semântico da frase e sentido, o
do enunciado. A significação da frase é de natureza diferente do sentido do enunciado.
A significação não preexiste ao uso, ao contrário, é aberta: contém instruções que
indicam que tipos de indícios é preciso procurar no contexto lingüístico para
se chegar ao sentido do enunciado. Atribui-se a cada frase de uma língua uma
significação, ou seja, uma instrução que explica o sentido de seus enunciados no discurso.
Outras teorias, entretanto, também se ocuparam do uso da linguagem e
definiram enunciação. É propósito deste texto trazer apenas uma: a de Oswald
Ducrot, criador da Teoria da Argumentação na Língua. Justifica-se a escolha por se
tratar de uma teoria que, como a de Benveniste, parte de conceitos estruturalistas
saussurianos, também os modifica, amplia, ultrapassa, mas o faz de outro modo.
2 A proposta de Ducrot
A Teoria da Argumentação na Língua é uma teoria estruturalista em que
as noções de signo, de relação e de língua e fala têm papel relevante. O signo, na
concepção saussuriana, é elemento da língua e só se define pela sua relação com
outros signos. Na teoria de Ducrot, o signo é a frase, isto é, estrutura abstrata,
criada pelo lingüista, e seu significado é constituído pelas possibilidades de relação
semântica que ela apresenta com outras frases. A relação entre frases se produz
no enunciado, entendido como um segmento de discurso. Enunciado e discurso têm,
pois, um lugar e uma data, um produtor e um ou vários ouvintes. É fato empírico,
observável e não se repete. Como se pode perceber, as noções de signo, relação,
língua e frase encontram-se subjacentes a esses conceitos, mas modificados. Do
ponto de vista semântico, a significação é o valor semântico da frase e sentido, o
do enunciado. A significação da frase é de natureza diferente do sentido do enunciado.
A significação não preexiste ao uso, ao contrário, é aberta: contém instruções que
indicam que tipos de indícios é preciso procurar no contexto lingüístico para
se chegar ao sentido do enunciado. Atribui-se a cada frase de uma língua uma
significação, ou seja, uma instrução que explica o sentido de seus enunciados no discurso.
Ducrot (1980) denomina enunciação o acontecimento, o fato que constitui
o aparecimento de um enunciado em determinado momento do tempo e do espaço.
É um conceito que tem função puramente semântica, sem nenhuma implicação
fisiológica ou psicológica. O sentido do enunciado é, para mim, uma descrição, uma
representação que ele traz de sua enunciação, uma imagem do acontecimento histórico constituído
pelo aparecimento do enunciado (1980: 34). Dizer que um enunciado descreve sua
enunciação é dizer que ele se apresenta como produzido por um locutor, designado
por diferentes marcas de primeira pessoa, para um alocutário, designado pela
segunda pessoa. A enunciação se caracteriza como tendo certos poderes. É isso
que leva a ver uma alusão à enunciação em enunciados imperativos, interrogativos,
assertivos, etc., que induzem o alocutário a certas obrigações, e que têm origem no
aparecimento do enunciado.
A concepção enunciativa tem papel importante na análise do discurso. A idéia fundamental é a de que sempre que se fala se fala de sua fala, ou seja o dito denuncia
o dizer (1980: 40). Num momento em que Ducrot ainda partia da pragmática para
construir sua teoria (o que foi abandonado), era colocada na enunciação a idéia de que
é preciso distinguir o autor das palavras, o locutor, e os agentes dos atos ilocutórios, os
enunciadores. Menciona-se esse fato aqui para que seja observado como sua leitura da
pragmática já estava sendo conduzida na direção de outra proposta. Se exprimir-se
é ser responsável por um ato de fala, explica ele, (1980: 44), então, ao interpretar-se
um enunciado, ouve-se uma pluralidade de vozes, outras que não a do locutor. Encontrase
aí o princípio que é desenvolvido, sem a pragmática, o conceito de polifonia.
A criação da Teoria Polifônica da Enunciação, no âmbito da Teoria da
Argumentação na Língua, vincula-se a dois fatos. Um é a crítica que Ducrot faz
à concepção lingüística da unicidade do sujeito falante, segundo a qual haveria
apenas um falante no enunciado. O outro baseia-se na afirmação de que o sentido
de um enunciado é a descrição de sua enunciação e nessa descrição está inscrita a
pluralidade de vozes que o locutor apresenta. Encontram-se no enunciado várias
funções diferentes: a do sujeito empírico, a do locutor e a do enunciador. O sujeito
empírico é o autor efetivo do que é produzido. Essa função não interessa ao
lingüista que estuda o sentido, ficando o sujeito empírico afeto aos sociolingüistas ou
aos psicolingüistas. O locutor é o responsável pelo enunciado, no qual ele se marca com a primeira pessoa. O enunciador é a origem dos pontos de vista que o locutor
apresenta. Em seu livro publicado em Cali (Colômbia) em 1988, Ducrot lembra
que os enunciadores não são pessoas, mas pontos de perspectiva abstratos. O primeiro
elemento do sentido é, assim, a apresentação dos pontos de vista dos enunciadores. O
segundo é a indicação da posição que o locutor assume em sua relação com eles.
Três atitudes são mencionadas em 1988: 66: o locutor ou se identifica com um dos
enunciadores e afirma esse ponto de vista, ou dá sua aprovação a outro, sem contudo
admitir seu ponto de vista, ou se opõe a outro. A noção de polifonia visa a substituir
a semântica horizontal (em que só o resultado da combinação de elementos pode
ser assumido) por uma semântica vertical (em que o sentido é a superposição de
diferentes vozes que se confrontam). Assim, sob a frase mais elementar pode haver uma
espécie de diálogo imaginário (Ducrot, 1997: 18).
Ducrot afirma que os enunciadores são argumentadores. Mas o que significa então argumentar e por que a expressão argumentação na língua? Para se
compreender o que é argumentar na Teoria da Argumentação na Língua, é preciso
que se diga que ela se opõe às concepções tradicionais de sentido, como a de
Karl Bühler, que entende que no enunciado há três tipos de indicações: as
objetivas, que representam a realidade, as subjetivas, que mostram a atitude do
locutor frente à realidade e as intersubjetivas, que se referem às relações entre o
locutor e aquele a quem ele se dirige. Para Ducrot, não há uma parte objetiva no
sentido da linguagem, porque ela não descreve diretamente a realidade. Segundo
ele, se a descreve, o faz por meio de seus aspectos subjetivos e intersubjetivos. O
modo como a realidade é descrita consiste em fazer dela o tema de debate entre
indivíduos. Resumindo essa idéia direi que para mim a descrição (ou seja, o aspecto objetivo) se
faz através da expressão de uma atitude e através também de um chamado que o locutor faz ao
interlocutor (1988: 51). Assim, é pela relação entre locutor e interlocutor se produzem
argumentações, ou seja, o locutor interage com seu interlocutor apresentando a
este sua posição em relação àquilo de que fala. Os aspectos subjetivo (a posição
do locutor) e intersubjetivo (a relação locutor/interlocutor) são unificados e
reduzidos ao valor argumentativo dos enunciados. Assim, falar é construir e tratar
de impor aos outros uma espécie de apreensão argumentativa da realidade (1988: 14). O
valor argumentativo de uma palavra é a orientação que essa palavra dá ao discurso. explicar por que a teoria afirma que a argumentação está na língua. É
preciso, para essa explicação, que se lembre que, em sua concepção de argumentação,
Ducrot opõe-se à concepção tradicional que é aceita nessa área. Segundo essa
concepção, conforme o artigo escrito em 1987, publicado no Brasil em 1989,
um sujeito falante produz um enunciado A, que indica um fato F, que pode ser
verdadeiro ou falso, como argumento para justificar um enunciado C, verdadeiro
ou falso dependendo, do fato F, resultando em enunciados do tipo: A logo C,
ou C já que A. Nesse modo de entender a argumentação, a língua não tem papel
essencial, mas o movimento argumentativo independe da língua, embora esta
forneça os conectivos que marcam a relação entre A e C. Ducrot recusa esse
esquema porque há frases que indicam o mesmo fato, no entanto conduzem a
conclusões contrárias. Constatou, então, em suas análises que a argumentação não
está nos fatos, mas no próprio semantismo das palavras da língua. Essa é a primeira
forma que assumiu a Teoria da Argumentação na Língua que postula que a força
argumentativa de um enunciado deve ser definida como o conjunto de enunciados
que podem ser encadeados a ele em um discurso com o conector portanto.
Mas essa forma inicial encontrou problemas e foi substituída pela segunda, que afirma que as possibilidades de argumentação não dependem
somente dos enunciados que servem como argumento e conclusão, mas dependem
também dos princípios dos quais se serve para colocá-los em relação Esses
princípios foram designados com o nome de topoi. A argumentação continua
sendo o conjunto de conclusões possíveis, mas o princípio argumentativo garante
a passagem do argumento para a conclusão. Percebe-se, então, que a preocupação
de Ducrot volta-se agora para a explicação de como se produz a argumentação
no enunciado. Mantém-se, porém, a concepção de enunciado como produto
das relações de subjetividade do locutor que, ao interagir com seu interlocutor,
pela intersubjetividade inerente à linguagem, coloca sua posição sobre a
realidade que toma como tema de sua enunciação, produzindo argumentação .
No terceiro momento da teoria, que continua se desenvolvendo em busca
principalmente de uma metodologia adequada, o conceito de argumentação é revisto.
Trata-se agora da Teoria dos Blocos Semânticos segundo a qual a argumentação não
se alicerça na passagem do argumento, que funcionava como justificativa para a conclusão, mas em representações unitárias entre um e outro que são o próprio
conteúdo dos encadeamentos argumentativos. O argumento influencia o sentido da
conclusão ou o contrário, constituindo uma unidade de sentido. É o que Carel
(1997) denomina bloco semântico. Argumentar passa a ser, desse modo, convocar
blocos lexicais por meio de encadeamentos que exprimem uma qualidade, positiva ou
negativa que, junto com o bloco, compõem uma regra. Esses encadeamentos, vistos
nesse momento da teoria como blocos semânticos, apresentam-se sob dois aspectos:
um normativo em portanto e outro transgressivo em no entanto. Esses dois aspectos
pertencem ao mesmo bloco, logo ambos são primitivos, um não deriva do outro;
no encadeamento transgressivo, o locutor concede ao aspecto normativo do bloco, mas
depois abandona esse movimento argumentativo e afirma uma conclusão negativa.
Tornando-se uma semântica lexical, a Teoria dos Blocos Semânticos formula conceitos
que dão conta não só das argumentações interna e externa das entidades lexicais em
análise como também de suas relações sintagmáticas e paradigmáticas, da predicação do
enunciado, etc.
A rápida menção aqui feita às diferentes etapas pelas quais passou até o momento atual a Teoria da Argumentação na Língua parece mostrar que se está
diante de reflexões que mantêm a hipótese que a criou: a de que a argumentação
está na língua, não nos fatos e, como tal, explica a argumentação a partir da relação
entre locutor e interlocutor, por meio da qual o locutor age de certo modo verbalmente
sobre seu interlocutor, apresentando um ponto de vista argumentativo sobre um
aspecto da realidade, que se torna tema de seu discurso, e ao qual, com base
em sua argumentação, atribui um sentido argumentativo. O foco de análise da
teoria de Ducrot é, pois, a argumentação, ou seja, as marcas que o locutor, produtor
do enunciado, coloca em seu discurso. Essas marcas se apresentam tanto
explicitamente, do ponto de vista da relação entre locutor e interlocutor, portanto,
tanto entre sujeitos da enunciação quanto entre o locutor e outros sujeitos, os
enunciadores, que, em diferentes níveis de implicitação dialogam com o locutor,
postulando a não unicidade de sujeitos do enunciado. Então, as relações no
discurso, como propõe essa teoria, se estabelecem não apenas entre palavras ou
frases, mas igualmente entre discursos. A enunciação é definida por Ducrot como
o surgimento do enunciado, tornando-se este o objeto de suas análises, sem
contudo se desvincular, em nenhum momento de sua perspectiva enunciativa.
Para finalizar
É preciso que se reflita sobre a teoria engendrada por Ferdinand de
Saussure que, colocando, no início do século XX, os fundamentos da ciência
da Lingüística, o fez de modo tão inesperadamente fecundo que ainda hoje não
cessou de gerar propostas teóricas tão diversas relativas à Lingüística da Fala, por
ele excluída do objeto de estudo da Lingüística. E mais ainda, que o sujeito, o
outro excluído, tenha paradoxalmente assumido a importância fundamental que
hoje tem nessas teorias. Foi aqui apresentado um dos conceitos básicos de apenas
duas dessas teorias. Embora não seja necessário muito esforço para se perceber
que elas são distintas, não se pode negar que elas têm algo em comum.
A Teoria Enunciativa de Émile Benveniste, partindo de conceitos saussurianos, não rejeita a distinção entre língua e discurso, ao contrário, as
associa, pois, ao situar o sujeito como centro de referência, busca explicar
como o aparelho formal da enunciação marca a subjetividade na estrutura
da língua. A noção de enunciação é, para Benveniste, centrada no sujeito,
que, ao se apropriar do aparelho formal da língua, enuncia sua posição de
sujeito, marcando-se como eu, instaurando o tu e o ele em seu discurso.
A Teoria de Benveniste focaliza, pois, o sujeito, suas marcas no discurso.
Já a Teoria da Argumentação na Língua propõe não um sujeito da linguagem,
mas um eu locutor produtor de discurso para um tu interlocutor. Nessa relação, o
locutor marca sua posição, em seu discurso, argumentando em relação ao que está
sendo dito. Da construção da argumentação participam não só os elementos verbais
explícitos dirigidos ao interlocutor, mas igualmente outros discursos apresentados
implicitamente em relação aos quais o locutor toma diferentes atitudes. Essa teoria
focaliza, então, a construção da argumentação como modo de enunciação do locutor.
Esse modo de enunciação está presente já no sistema da língua, o que se mostra no
léxico, nos performativos, na delocutividade. A argumentação transforma as coisas
em justificativas de nossas necessidades, desejos ou intenções. Falar, diz Ducrot, é
tratar de impor aos outros uma espécie de apreensão argumentativa da realidade (1988, p. 14).
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São, então, teorias distintas, mas que se assemelham sob alguns aspectos.
São propostas que têm cada uma a sua especificidade, mas que se inscrevem no
contexto maior do uso da linguagem, contemplando os sujeitos e as relações que
entre eles se estabelece. Entretanto, não há dúvida de que ambas têm em comum o
fato de que partem de conceitos saussurianos, conservando-os parcialmente, mas
redefinindo-os, modificando-os. Em decorrência, ou na origem mesma dessas
conceituações, encontram-se facilmente duas abordagens diferentes de linguagem,
que podem ser definidas, e que se tornariam tema de futuros trabalhos.
Notas
1 Este estudo se inscreve no âmbito do projeto O enunciado no texto, desenvolvido
no PPGLetras da PUCRS, de 2003 a 2005, apoiado pelo CNPq com bolsa de
Produtividade em Pesquisa.
Referências Bibliográficas
BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1966, v.
BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1974, v.
2.
CAREL, Marion. L’argumentation dans le discours; argumenter n’est pas justifier.
Letras de Hoje, v. 32, n.1, 1997.
DUCROT, Oswald. Les mots du discours. Paris: Minuit, 1980.
DUCROT, Oswald. Polifonía y argumentación. Cali: Universidad del Valle, 1988a.
DUCROT, Oswald. Argumentação e topoi argumentativos. In: História e sentido na
linguagem. Campinas: Pontes, 1989b.
DUCROT, Oswald. Logique, structure, communication (à propos de Benveniste et
Prieto). Paris: Minuit, 1989.
FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à Lingüística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2005.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Manipulação

Quando convencemos, levamos o outro a “fazer acontecer”, pois ele está acreditando e aceitando conscientemente os argumentos apresentados. O convencimento pressupõe a adesão e o comprometimento com o “fazer”.


Já na persuasão, o sujeito a ser manipulado “faz acontecer”, entretanto, sem crer. Há na persuasão um caráter de coação e de indução provocada. Não há adesão e, muito menos, comprometimento. O outro faz porque se sente ameaçado e não porque acredita e aceita.



Manipulamos por meio da comunicação e do contexto — palavras, gestos e ambiente – e, para isso, usamos todas as nossas estratégias de comunicação ou, como popularmente chamamos, usamos nossa “lábia”. A comunicação ocorre entre as pessoas em uma estrutura composta de destinador, destinatário, mensagem, código, meio e contexto. O destinador exerce o papel do manipulador – aquele que deseja convencer ou persuadir –, e o destinatário exerce o papel do manipulado — aquele que tem de ser convencido ou persuadido.

Video no site: http://efp-ava.cursos.educacao.sp.gov.br/Frame/Component/CoursePlayer?enrollmentid=156268


Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Qualificações modais

Essa relação sofre qualificações modais:


Na modalização do fazer, é preciso distinguir dois aspectos: o fazer-fazer, isto é, o fazer do destinador que comunica valores modais ao destinatário para que ele faça; e o fazer-ser, que comunica valores que se relacionam à competência do sujeito. Na organização modal da competência, o sujeito combina dois tipos de modalidades: as virtualizantes, que instauram o sujeito a um dever-fazer e querer fazer, e as atualizantes, que o qualificam a um saber-fazer e poder-fazer.

Para que o contrato seja estabelecido entre o destinador e o destinatário no momento da interação, o destinatário tem de ter um querer, dever, saber e poder-fazer.

Qualquer texto pode transformar a subjetividade de um discurso. Desta possibilidade, constroem-se o discurso apaixonado (quando há um tom passional, ou seja, a paixão subjaz ao ato enunciativo) e o discurso da paixão (quando essa paixão é citada ou representada).

Discurso apaixonado é depreendido na enunciação; discurso da paixão, no enunciado. “A Semiótica, ao examinar as paixões, não faz um estudo dos caracteres e dos temperamentos. Ao contrário, considera que os efeitos afetivos ou passionais do discurso resultam da modalização do sujeito de estado” (FIORIN, 2007, p. 10). A modalização, por meio da combinação de modalidades, permite-nos investigar não apenas os atos, mas as transformações dos estados do sujeito ou efeitos de sentido passionais.

A modalização do ser define a existência modal do sujeito de estado em relação ao objeto-valor ao incidir sobre o objeto. Contudo, a modalização do ser apresenta mais dois tipos de modalidades, que incidem sobre a relação de conjunção ou de disjunção entre sujeito e objeto: veridictórias e epistêmicas.

A modalização do ser, portanto, dá existência modal ao sujeito de estado, definindo estados passionais, de bem-estar ou de mal-estar, resultantes da relação do sujeito com seu objeto. Esses estados passionais são chamados de “paixão”. Antes que haja uma confusão na definição deste termo, entendido no senso comum como um caso amoroso, para a Semiótica “as paixões [...] devem ser entendidas como efeitos de sentido de qualificações modais que modificam o sujeito do estado” (BARROS, 2001, p. 61). A paixão (estado de alma) foca o sujeito de estado, que segue um percurso entendido como uma sucessão de estados passionais.

Qualquer texto pode transformar a subjetividade de um discurso. Desta possibilidade, constroem-se o discurso apaixonado (quando há um tom passional, ou seja, a paixão subjaz ao ato enunciativo) e o discurso da paixão (quando essa paixão é citada ou representada).

Discurso apaixonado é depreendido na enunciação; discurso da paixão, no enunciado. “A Semiótica, ao examinar as paixões, não faz um estudo dos caracteres e dos temperamentos. Ao contrário, considera que os efeitos afetivos ou passionais do discurso resultam da modalização do sujeito de estado” (FIORIN, 2007, p. 10). A modalização, por meio da combinação de modalidades, permite-nos investigar não apenas os atos, mas as transformações dos estados do sujeito ou efeitos de sentido passionais.

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

O sujeito

O estado do sujeito em relação ao objeto desejado nem sempre é estável e, por isso, há basicamente dois tipos de sujeito. O sujeito do fazer é um agente responsável pela mudança de seu estado ou pela mudança de estado de outro sujeito. O sujeito de estado é paciente e passivo, e serve para representar um determinado estado do sujeito em relação ao seu objeto de desejo. Seu estado pode sofrer mudanças, e estas são retratadas pelas modalidades que traduzem as condições e as qualificações desses dois tipos de sujeito.


Ao sujeito do fazer correspondem as modalidades do fazer ou intencionais; ao sujeito de estado, as modalidades do ser ou existenciais. A modalização do fazer é responsável pela competência modal que incide sobre o sujeito do fazer, qualificando-o para o fazer. O sujeito com competência modal é aquele que possui condições ou pré-requisitos para uma ação: é um sujeito que quer, deve, sabe e pode fazer. Cada uma dessas modalidades começa a definir os sujeitos.


A Semiótica analisa o sujeito não apenas do ponto de vista de sua competência, mas também de seu modo de existência. Há quatro modos de existência do sujeito: potencial (crê ser), virtual (quer ou deve ser), atualizado (sabe ou pode ser) e realizado (faz ou é). Esses modos são responsáveis pela determinação de suas respectivas modalidades:


Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Teoria dos atos de fala

O principal mecanismo interpretativo que intervém na decodificação dos atos de fala indiretos são as célebres máximas conversacionais do linguista Paul Grice. Quanto menos convencionalizado é um ato de fala indireto, mais ele necessita do contexto para esclarecer seu valor ilocutório.

Antes de concluirmos, cumpre salientar que a teoria dos atos de fala trouxe para o foco de atenção dos estudos linguísticos os elementos do contexto (quem fala, com quem se fala, para que se fala, onde se fala, o que se fala etc.), os quais fornecem importantes pistas para a compreensão dos enunciados. Essa proposta muito tem influenciado e inspirado os estudos posteriores destinados a aprofundar as questões que envolvem a análise dos diferentes tipos de discurso. Com efeito, os atos de fala são, hoje, uma fonte inesgotável de trabalhos tanto na área da pragmática quanto na área da linguística em geral.

Para muitos, a obra de Austin constituiu um verdadeiro marco divisor dos estudos linguísticos, inaugurando uma nova concepção de linguagem performativa e pragmática, a qual rompeu com uma longa tradição de estudos linguísticos caracterizados por uma concepção meramente descritiva da linguagem.

Semiótica

A Semiótica tem por objetivo explicar e descrever o que o texto diz e como ele faz para dizê-lo.


Para construir o sentido de um texto, a Semiótica concebe o seu plano do conteúdo sob a forma de um percurso gerativo que pode ser resumido como segue:


  • O percurso que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto.


  • Durante o percurso, são estabelecidas três etapas e cada uma delas pode ser descrita e explicada por uma gramática autônoma, muito embora o sentido do texto dependa das relações entre os níveis:




A Semiótica está sempre preocupada com a interação sujeito/texto.


Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Distinção entre atos de fala diretos e atos de fala indiretos

Essa falta de correspondência biunívoca entre a estrutura sintática dos enunciados (declarativa, interrogativa, imperativa etc.) e o seu valor ilocucionário (de asserção, pergunta, ordem, pedido etc.) levou a se estabelecer uma outra distinção no interior da teoria dos atos de fala: a distinção entre atos de fala diretos e atos de fala indiretos:


  • Um ato de fala é direto quando realizado por meio de formas linguísticas especializadas, isto é, típicas daquele tipo de ato. Há, por exemplo, uma entonação usada para perguntas; as formas imperativas são usadas para dar ordens ou fazer pedidos; expressões como por favor ou por gentileza são usadas para fazer pedidos ou solicitações. Eis alguns exemplos: Que horas são? (ato de perguntar); Saia daqui! (ato de ordenar); Por favor, traga-me um copo de água (ato de pedir).

  • Um ato de fala é indireto (ou derivado) quando realizado indiretamente, isto é, por meio de formas linguísticas típicas de outro tipo de ato. Nesse sentido, “dizer é fazer uma coisa sob a aparência de outra”. Eis alguns exemplos:
    • Você tem um cigarro? (pedido com aparência de pergunta) — Quem enuncia essa frase não está perguntando se o alocutário tem ou não um cigarro, mas está pedindo-lhe que ceda um cigarro.
    • Como está abafada esta sala! (pedido com aparência de constatação) — Normalmente, quem enuncia essa frase não está simplesmente fazendo uma constatação sobre a temperatura no interior do recinto, mas sim pedindo que o alocutário faça algo para amenizar o calor, como abrir as janelas, ligar o ventilador, o ar-condicionado etc.
    • Você pode fechar a porta? (pedido com aparência de pergunta) — Quem enuncia essa frase não está perguntando sobre a (in)capacidade física do alocutário de fechar a porta, mas sim pedindo-lhe que feche a porta. Seria estranho se o alocutário pensasse que a pergunta é mera curiosidade e respondesse simplesmente sim ou não.

Nesses casos, Searle (1982) denomina de “secundários” os atos de perguntar, constatar etc., e de “primário” o ato de pedir. No entanto, do ponto de vista da interpretação, pode-se dizer que o valor de pergunta e constatação é “literal”, e o valor de pedido, “derivado”.

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Categorias de atos de linguagem

Todas essas noções são retomadas e sistematizadas por John Searle, primeiramente em Speech actos (1969) e, depois, em Expression and meaning (1979). Searle distingue cinco grandes categorias de atos de linguagem:

1 - Representativos (mostram a crença do locutor quando a verdade de uma proposição: afirmar, asseverar, dizer).

2 - Os diretivos (tentam levar o alocutório a fazer algo: ordenar, pedir, mandar).

3 - Os compromissivos (comprometem o locutor com uma ação futura: prometer,

4 - Os expressivos (expressam sentimentos: desculpas, agradecer, dar boas-vindas).

5 - E os declarativos (produzem uma situação externa nova : batizar, demitir, condenar).

Searle postula que, ao se comunicar uma frase, realizam-se um ato proposicional (que corresponde à referência e à predicação, isto é, ao conteúdo comunicado) e um ato ilocucional (que corresponde ao ato que se realiza na linguagem). Assim, para Searle, enunciar uma sentença é executar um ato proposicional e um ato ilocucional.

Searle chama a atenção ainda para o fato de que não há uma correspondência biunívoca entre conteúdo proposicional e força ilocutória, dado que um mesmo conteúdo proposicional pode exprimir diferentes valores ilocutórios. A proposição “João, estude bastante”, por exemplo, pode ter força ilocutória de ordem, pedido, conselho etc.


Pragmática: atos de fala ou atos de linguagem

Foi com um ato de fala — segundo o livro Gênesis, da Bíblia — que Deus iniciou o universo. Deus disse “Fiat lux”, a luz se fez. A partir daí, todo o resto se criou e ao mesmo tempo em que as coisas estavam sendo criadas, Deus as nomeava.


Austin foi o primeiro teórico a apontar o fato de que dizer significa transmitir informações, mas significa também e, sobretudo, uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo ao redor.


Até então, os linguistas e os filósofos, de modo geral, pensavam que as afirmações serviam apenas para descrever um estado de coisas e, portanto, eram verdadeiras ou falsas. Austin põe em xeque essa visão descritiva da língua, mostrando que certas afirmações não servem para descrever nada, mas sim para realizar ações. Ou seja, as falas e os discursos estão carregados de intencionalidade.


Austin dividiu os atos de fala em dois tipos:


São aqueles que descrevem ou relatam um estado de coisas e que, por isso, se submetem ao critério de verificabilidade, isto é, podem ser rotulados de verdadeiros ou falsos. Na prática, são os enunciados comumente denominados de afirmações, descrições ou relatos.
Exemplos:

  • Eu sou professora.
  • Eu gosto de morango.
  • A Terra é redonda.

Enunciados performativos

São enunciados que não descrevem, não relatam, nem constatam nada e, portanto, não se submetem ao critério de verificabilidade (não são falsos, nem verdadeiros). São enunciados que realizam uma ação (por isso, o termo performativo: o verbo inglês to perform significa realizar).

Exemplos:
  • Declaro-os marido e mulher.
  • O réu está condenado a 10 anos de prisão.
  • Declaro aberta a sessão.
  • Ordeno que você saia.
  • Eu te perdoo.

Nesse sentido, dizer algo é fazer algo.

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

A problemática enunciativa

Condições de boa formação - para que seja compreendido, ele tem que respeitar a formatação da frase. É preciso que a frase combine as regras de sintaxe e apresente certo grau de afinidade semântica em sua formação . Por exemplo, a famosa frase Noam Chomsky "Incolores ideias verdes doemwm furiosamente" fica sem sentido apesar de sua conformidade com as regras de sintaxe.
Condições de verdade - um enunciado, para ser inteligível , precisa especificar suas condições de verdade. Quando eu afirmo que parei de fumar, preciso ter fumado antes. Caso eu não tenha sido fumante, meu enunciado não é compreendido.
Componente enunciatário - para que o texto, seja , de fato , o lugar de interação, é necessário que haja um locutor, um alocutário, um tempo e um lugar.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Planos de enunciação


O discurso e a história não são planos enunciativos. São as formas pelas quais Benveniste classifica os tipos de discurso. São, portanto, uma tipologia textual.


Na verdade, a distinção entre discurso e história cria o plano do enunciado (ligado à história) e o plano da enunciação (ligado ao discurso).


Na história, há relatos de eventos passados sem que haja o envolvimento do locutor. É como se os fatos narrassem a si mesmos. Os tempos verbais característicos nesse tipo de plano de enunciação são o imperfeito, mais-que-perfeito e futuro do indicativo, na 3ª pessoa (plural e singular).


No discurso, a situação é totalmente inversa: há envolvimento do locutor, instaurando-se como um EU e, concomitantemente, instaurando um TU. Esses EU e TU estão dentro de um tempo e de um espaço. A característica, nesse caso, é que os tempos verbais são o presente, pretérito perfeito, imperfeito, mais-que-perfeito e futuro do presente, na 1ª e na 2ª pessoas (singular).


Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica
Teoria da enunciação - continuação

O quê?
Os estudos estão ancorados nas análises dos chamados !shifters" ou "embrayeuros"( em português, dizemos "embreantes") iniciadas com o Círculo de praga(principalmente Jackobson). Ao mesmo tempo, Benveniste, na França, publica o famoso artigo "L appareit formel de I enontiation e todos os estudos que tratam da distinção entre discurso e história Baktin e Volochinov fizeram, principalmente, estudos literários e suas obras só foram conhecidos no Ocidente com as traduções de Julia Kristeva parao franc~es. A tricotomia EU-AQUI-AGORA(fundamental na teoria da enunciação) surge com Benveniste e foi introduzida nos estudos do sistema de pronomes pessoaos nas línguas indo-européias, portanto tem base eminentemente estruturalista.

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Teoria da enunciação

Os estudos enunciativos emergem em diferentes lugares ao mesmo tempo, sem que se possa dizer quem começou o quê.


Uma das questões levantadas foi a de que todo ato de comunicação era composto por um EU, em um AQUI e em um AGORA, ou seja, um SUJEITO em um ESPAÇO e em um TEMPO. A análise discursiva trata de explicar o que o texto diz e como faz para dizê-lo, ou seja, examina os procedimentos da organização textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e de recepção do texto.


Benveniste chegou ao diagrama a seguir quando fez a distinção entre os pronomes de pessoa (1ª e 2ª pessoa) dos de não pessoa (3ª pessoa). O primeiro refere-se às pessoas do discurso: o locutor, o interlocutor (eu, tu, nós, vós – você e vocês, apesar de serem considerados pronomes de 3ª pessoa, possuem a função de 2ª pessoa). Os pronomes de 3ª pessoa estão relacionados aos referentes — aos elementos extralinguísticos de que se fala.



Currículo de Língua Portuguesa: A proposta de estudar a língua considerada como uma atividade social (espaço de interação entre pessoas) num determinado contexto de comunicação, implica a compreensão da enunciação como eixo central de todo o sistema linguístico e a importância do letramento em função das relações que cada sujeito mantém em seu meio.

Enunciação, Discurso, Pragmática e Semiótica

Momentos que antecedem o surgimento da teoria de texto

Segundo estudos, há três momentos na passagem da teoria da frase à teoria do texto, veja quais são eles a seguir.

Análise transfrática - seu princiap objetivo é o de estudar a relação coerentes que podem ser estabelecidos entre os enunciados que compõem uma sequência de sentido. Esse primeiro momento foi muito importante, pois surgiu um avanço; saiu-se dos estudos restritos a frase e preocupou-se com os estudos direcionados à relação entre as frases. É um princípio importante para se chegar à teoria do texto.

Teoria do texto - nesse momento o âmbito da investigação se estende do texto ao contexto, ou seja , às condições externas do texto - da produção e da recepção à interpretação do texto. Assim a competência deixa de ser a textual para ser a comunicativa.

Gramática de texto - surgiu para explicar e refletir sobre os fenômenos linguísticos inexplicáveis por meio da gramática da frase . Sendo o texto muito mais que uma sequência de palavras e enunciados, a sua compreensão e produção derivam de competências específicas dos falantes. Estas são tarefas básicas que permitem ao usuário da língua verificar o que faz com que um texto seja um texto, verificando seus principios de constituição responsáveis por sua coerência.

Conceito de textualidade

Textualidade é um conceito que surgiu quando a teoria do texto começou a ser pesquisada. Descobriu-se que uma das habilidades humanas é a da textualidade, ou seja, a capacidade de criar textos verbais ou não verbais. É uma capacidade alinear de criação, que, no texto, se concretiza de forma coerente.


O indivíduo cria uma comunicação coerente por meio de signos. Para os adeptos da teoria do discurso, o texto é mais estrutural enquanto o discurso é mais amplo, pois enquanto o texto visa às composições sígnicas, o discurso abrange outras esferas e engloba tanto os enunciados quanto as suas condições de produção.


Portanto, a textualidade é a capacidade discursiva, pois o indivíduo tem de levar em conta, além das composições estruturais, as circunstâncias em que o texto está sendo produzido e proferido.