terça-feira, 27 de março de 2012

Técnica: A melodia poética

A poesia tem uma dimensão melódica que a aproxima da fala humana. Não da fala solta e desatenta dos instantes banais, mas de uma fala transfigurada. Uma fala que nasce também dos ritmos de nossa voz, mas da voz que usamos nos momentos mais carregados de urgência, de emotividade, de concentração. Comentando a amizade literária entre o poeta norte-americano Robert Frost e o crítico britânico Edward Thomas, Matthew Hollis observou:

"Para esses dois homens [Frost e Thomas], a máquina que move a poesia não é a rima nem sequer a forma, mas o ritmo, e o órgão pelo qual ela se comunica é o ouvido que escuta, mais do que o olho que lê. Para Thomas e Frost isso acarretava uma fidelidade mais à frase do que à contagem métrica, aos ritmos da fala mais do que às convenções poéticas; uma fidelidade àquilo que Frost chamava de 'cadência'. Se você já ouviu pessoas conversando por trás de portas fechadas, raciocinava Frost, você já deve ter reparado que é possível entender o sentido geral de uma conversação mesmo quando as palavras propriamente ditas são indistintas. Isto é porque as entonações e as sentenças com que falamos estão carregadas de sentido, formando um 'significado sonoro'. É sobre esse significado, desencadeado pelo ritmo da voz que fala, que a poesia se comunica de maneira mais profunda. Thomas escreveu certa vez: 'Um homem não pode escrever melhor do que ele fala quando alguma coisa o emocionou profundamente'".
Urgência melódica
Acho que tudo isso deve ser considerado a sério quando falamos que a poesia tem influência oral, da fala, etc. Muita gente pensa que isso indica apenas que a poesia deve ser sempre coloquial, informal, descontraída, parecida com o modo desconexo e descuidado como falamos. Não é bem isso. A poesia deve se aproximar da fala em todos os registros da fala , em todas as maneiras com que somos capazes de imprimir à fala (entre outras coisas) gravidade, tensão, emotividade, arrebatamento. Como se tivéssemos um telefonema de quinze segundos para comunicar algo muito importante a alguém, mas em compensação pudéssemos preparar o que dizer nesses 15 segundos durante o tempo que fosse necessário.
A fala tem seu encantamento próprio; a mera vibração da fala humana é carregada de sentido, e nos permite entender o que é dito mesmo quando, por trás de portas fechadas, não percebemos as palavras, mas entendemos a urgência indicada por aquela tensão. Assim como num país estrangeiro somos muitas vezes capazes de entender situações em que pessoas estranhas se exprimem num idioma que desconhecemos. Não é o sentido dicionarizado de suas palavras que percebemos, é a urgência melódica e rítmica da voz, sua ênfase, a emoção melódica com que a voz humana nunca deixa de nos atingir.
Poesia discursiva
T. S. Eliot dizia: "A poesia não deve derivar para muito longe da nossa linguagem ordinária, cotidiana, a que usamos e que ouvimos. Que seja ela acentual ou silábica, rimada ou sem rimas, formal ou livre, ela não pode se dar o luxo de perder o contato com as formas mutáveis do discurso coloquial. (...) Cada revolução na poesia acaba resultando, e muitas vezes assim se proclama, num retorno à fala comum."

Existe uma espécie de cordão umbilical ligando a poesia discursiva à fala, e isto talvez explique a tensão em duas fronteiras conflagradas que a poesia mantém com outras formas de expressão.

A primeira é a fronteira entre a poesia discursiva e a poesia visual, todos aqueles movimentos que procuram explorar o lado gráfico da poesia, muitas vezes em detrimento de seu lado discursivo. Os caligramas, os poemas concretos, o poema processo, todas as experiências em que a forma visível das palavras ou das frases se sobrepõe a sua carga original de significado. Quando isto acontece, o leitor de poesia formado pela poesia discursiva sente-se pouco à vontade, porque enxerga naquilo uma perda da melodia poética, um afastamento da voz e do ouvido. Quando a poesia começa a ser feita para a página e para o olho, afasta-se desse murmúrio de vozes humanas que lhe deu origem.
Letra de música
A outra fronteira belicosa é a que a poesia mantém com a canção, com a letra de música. Neste caso, o leitor volta a pressentir uma perda da melodia original da fala, só que desta vez pela interferência de uma melodia externa, invasiva. Por mais que a melodia de uma canção se aproxime das melodias espontâneas de nossa fala, ela será sempre uma melodia formalizada e especificamente musical, e dessa forma é como se obrigasse a fala a uma sujeição pouco confortável. Como se a melodia da fala, tão livre e não planejada, tivesse de ceder lugar a uma melodia mais deliberada, mais poderosa, uma melodia de natureza estrangeira à fala.

Braulio Tavares é compositor, autor de Contando Histórias em Versos (Editora 34, 2005)
btavares13@terra.com.br

PRODUÇÃO DE TEXTO; Exerc´cios de clareza no texto

Os desafios a seguir são relativamente conhecidos. Mas são interessantes para mostrar modos diferentes de evidenciar a importância da clareza. O primeiro, "Leia rápido", mostra que uma mensagem se torna mais eficiente se consegue encarnar o seu conteúdo numa forma que o potencialize. O segundo, "Pontue a frase", dá relevo ao papel da pontuação para o entendimento.


Leia rápido

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesrddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e a útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso atocncee poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.


Pontue a frase
João toma banho quente e sua mãe diz ele quero banho frio

Resposta: João toma banho e sua. "Mãe", diz ele, "quero banho frio". "Sua", aqui, é uma forma verbal, não um pronome possessivo. Está na 3a pessoa do presente do verbo "suar".


TÉCNICA DE ESCRITA - NARRAÇÃO

A cereja do bolo narrativo

Certas obras repetem mecanismos literários consagrados alterando-lhes aspectos periféricos, como personagens, ambiente e outros "enfeites"

Por que motivo certas histórias funcionam? Em grande parte é por uma mecânica interna, por um conjunto de agentes e de funções que por si só envolve e surpreende o leitor, e que pode ser repetido muitas vezes, variando-se os "adornos": personagens, época, ambiente, etc. Livros tão distintos quanto o Dom Quixote e Madame Bovary seguem a mesma mecânica: uma pessoa se deslumbra com o mundo dos romances, tenta viver de acordo com eles, e só encontra decepções. Inúmeras outras histórias poderiam ser escritas tendo esta situação como ponto de partida. Seriam plágio? Não, se trouxessem uma dose suficiente de novas informações, novas variantes, outra verdade humana, outra força literária. Plagiar é imitar sem introduzir informação nova.

Um conto como "Missa do Galo" de Machado de Assis repousa principalmente numa situação de não entendimento. Seu enredo: um adolescente fica a sós durante a noite com a dona da casa onde se hospeda, uma mulher de 30 anos que é traída pelo marido. A conversa entre os dois é uma conversa que não ata nem desata. O leitor é induzido a pensar que a mulher tem vontade de trair também o esposo mas prefere que o rapaz tome a iniciativa. Ele, que é interiorano e um pouco ingênuo, não entende, e o conto se encerra sem que nada aconteça. Numa história assim, a época, o meio social, o perfil psicológico dos personagens, tudo é adorno. A mecânica nua e crua é: A assume certas atitudes, B não as entende, e C (o leitor) percebe tudo.

Podemos usar essa mecânica transpondo-a para outra situação. Em vez de um rapaz inexperiente e uma mulher adulta, podemos pensar num homem maduro e uma garota esperta; em vez de 1890 no Rio, a história se passa em 2010 em Salvador. Ele é metido a bonitão, mas é meio conservador. A garota tem 20 anos, é liberada, faz o que quer; é sua aluna, ou amiga de sua filha. Os dois passam algumas horas a sós, conversando, e somente o leitor percebe que a menina dá todas as pistas de que quer alguma coisa com ele, chega a ser irônica, e só ele não percebe. Não por inexperiência (como em Machado), mas porque a linguagem e os códigos de sedução das duas gerações são incompatíveis. E no fim do conto ele se queixa de que ninguém sabe o que querem os jovens de hoje.

Plágio
Alguém pode questionar: isso é plágio? De um modo geral, não, principalmente se os novos adornos (as partes exteriores, descartáveis da história) tiverem riqueza bastante para se imporem sobre a mecânica antiga. Percebemos um plágio justamente quando, ao invés da mecânica, são os adornos que são imitados. Alguém pode escrever uma história que se passa em 1890, entre um rapaz e uma mulher casada, na noite da missa do Galo, enquanto o rapaz espera amigos que irão com ele à missa. Não há qualquer clima de sedução entre os dois: a mulher e o rapaz ficam discutindo, sei lá, a situação política do Segundo Reinado. E no entanto inúmeros leitores iriam imaginar que esta história é um "plágio" da história de Machado, quando na verdade é o primeiro exemplo acima que mais se parece com ela.

Muitos escritores têm facilidade para esvaziar todos os adornos de uma história alheia, perceber qual é sua mecânica, e utilizá-la numa história completamente diferente. Se a mecânica for a mesma, então, isso é plágio? Depende. Muitas histórias têm uma mecânica interna muito simples, nada fora do comum, e se trocarmos os adornos há uma grande possibilidade de que os novos adornos (outra época, outra situação profissional, personagens com outra idade, outro perfil, outras características) tenham peso bastante para que a nova história possa ser considerada original. Na verdade, é nessas características (e na riqueza estilística) que autores como Machado de Assis baseiam suas histórias, e não na mecânica simples do enredo. É possível que Machado tenha escrito o conto "Missa do Galo" tendo em mente um episódio qualquer que leu de passagem no romance de alguém e que resolveu pegar emprestado para explorar a seu modo. Todo autor "original" faz isto.

Uma grande parte das obras literárias usa a mecânica de uma história já existente, mudando os adornos; ou prefere usar os adornos e dar-lhes uma mecânica completamente diversa. James Joyce, em Ulisses, utilizou as aventuras do herói homérico como mecânica básica, mas ao ambientá-las em Dublin e carregá-las de experiências linguísticas obscureceu essa mecânica a tal ponto que, se tivesse intitulado o livro Um dia em Dublin , poucas pessoas iriam perceber tal alusão.

Reviravoltas
Quando a mecânica de uma história chama demais a atenção, é perigoso reutilizá-la, porque isto seria percebido de imediato. Os leitores de romances policiais sabem que há um livro de Agatha Christie em que o criminoso é justamente o personagem que narra a história, e que durante toda a narrativa finge ser inocente. Foi uma reviravolta que causou comoção e polêmicas na época de lançamento do livro, e já se disse que era um recurso que só poderia ser utilizado uma vez e nunca mais. No entanto, Jorge

Luís Borges tem pelo menos dois contos que usam o mesmo recurso, mas em circunstâncias tão distintas que a revelação final não se torna o objetivo do conto, e sim uma pequena surpresa que lança uma luz diferente sobre coisas mais importantes. (Não direi aqui os títulos das obras; não quero privar o leitor do prazer dessa pesquisa.)

Braulio Tavares é compositor, autor de Contando Histórias em Versos (Editora 34, 2005)
btavares13@terra.com.br


















SITE DA LÍNGUA PORTUGUESA CANTADA

http://www.linguacantada.com.br/content.php?Categ=4&contentID=10

PÉROLAS DA LÍNGUA PORTUGUESA - ( 2)

AO INVÉS DE OU EM VEZ DE?

Mais exemplos...

A expressão ao invés de corresponde a “ao contrário de”:

Os alunos estudavam, mas ao invés de aprenderem, ficavam mais confusos.

A expressão em vez de corresponde a: “no lugar de”:

Em vez de dez participantes conforme a inscrição, havia mais de vinte.

Note que vinte participantes não significam, necessariamente, o contrario de dez.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010


Tire suas dúvidas - A PAR OU AO PAR?

A par corresponde a “ao lado de“ ou “conhecedor de” ou “ciente de”.

O gerente está a par de tudo o que acontece na fábrica.

Ao parcorresponde a: “em equivalência de valor”

O real está quase ao par do dólar americano.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

A princípio ou em princípio?

A princípio ou em princípio

Mais dicas:

A expressão a princípio tem valor temporal e corresponde a “no início”:

A princípioconcordou com a proposta, mas gostaria de ler com mais cuidado.

A expressão em princípio corresponde a “em termos” ou “como ponto de partida”:

O estudo da língua pátria é, em princípio, uma obrigatoriedade de todo falante nativo.

A expressão por princípio tem valor causal e corresponde a “por convicção”

Por princípio, não jogo lixo nas ruas.

Alguns dicionários registram “a princípio” e “em princípio” como sinônimos.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010


Veja a forma correta de escrever e falar

CIÚMES OU CIÚMES ?

Embora seja amplamente empregado no plural, o ideal é o emprego no singular, uma vez que “ciúmes” não implicará mudança alguma no sentimento.

Nós sentimos muito ciúme do sucesso daquele indivíduo.

Essa regra se aplica aos substantivos abstratos de forma geral como “saudade”, “felicidade”, “raiva”, “ódio”, “sucesso” etc.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

Bananas-nanica ou bananas-nanicas?

O plural de banana-nanica é...

O plural de banana-nanica é bananas-nanica, pois temos dois substantivos, o segundo passa a ser apenas uma determinação ou especificação do segundo, ou seja,bananas do tipo nanica.

Isso ocorre com canetas-tinteiro, salários-família e cafés-concerto, mas não ocorre com couve-flor, uma vez que flor não é um tipo ou uma especificação de um tipo de couve. Nesse caso o plural é couves-flores.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

DE ELE OU DELE?

Devemos separar a preposição...

Devemos separar a preposição “de” do pronome, do artigo ou do adjunto quando esses funcionarem como sujeito:

Não há maneira de o professor adiar a prova?

O fato de ele não trabalhar muito é bastante compreensível.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

Babadoro ou babadouro?

Embora sejam dicionarizadas com o mesmo significado e empregadas indiscriminadamente...

Embora sejam dicionarizadas com o mesmo significado e empregadas indiscriminadamente, há algumas diferenças entre elas.

Babadoré o agente, é aquele que baba.

Uma bela partida de futebol faz de mim um babador.

Babadouroé onde se baba.

A mãe daquele bebê trocava o babadouro varias vezes ao dia.

Esse problema ocorre também com duplas:

Corredor / corredouro: “Viajo, sempre, ao corredor ou corredouro.”

Provador / provadouro: “Não gosto de provador ou provadouro apertado.”

Veja que isso não ocorre com as duplas:

Matador / matadouro: “O matador se encontrava no matadouro à espera dos animais.”

Bebedor / bebedouro: “Aquele rapaz é um bebedor de água compulsivo, vai ao bebedouro de hora em hora”Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

Bom de ler ou bom de se ler?

O correto é empregar “bom de ler”, pois...

O correto é empregar “bom de ler”, pois o infinitivo de “ler” apresenta passividade (bom de ser lido), por isso não há necessidade de empregar o apassivador se:

Aquele romance é bom de ler.

Ocorre o mesmo com difícil de saber, bom de morar, bom de gastar etc.

Bairro bom de morar.

Dinheiro bom de gastar.

Exercício difícil de saber.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

Ao encontro de e de encontro a

Pérolas da Língua

Há em nosso idioma palavras ou expressões que causam dúvidas em relação à aplicação e ao sentido. Os exemplos oferecidos podem servir como pílulas para serem ministradas a cada início de aula ou de semana.

Ao encontro de e de encontro a.

A expressão ao encontro de corresponde a: “na direção de” ou “em favor de”:

Sua proposta foi bem aceita porque vem ao encontro dos desejos da diretoria.

A expressão de encontro a corresponde a “contra”, “ao contrário” ou “em choque”.

Sua proposta não foi bem aceita porque vem de encontro aos desejos da diretoria.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

PÉROLAS DA LÍNGUA PORTUGUESA - (1)

Ao encontro de e de encontro a

Pérolas da Língua

Há em nosso idioma palavras ou expressões que causam dúvidas em relação à aplicação e ao sentido. Os exemplos oferecidos podem servir como pílulas para serem ministradas a cada início de aula ou de semana.

Ao encontro de e de encontro a.

A expressão ao encontro de corresponde a: “na direção de” ou “em favor de”:

Sua proposta foi bem aceita porque vem ao encontro dos desejos da diretoria.

A expressão de encontro a corresponde a “contra”, “ao contrário” ou “em choque”.

Sua proposta não foi bem aceita porque vem de encontro aos desejos da diretoria.

Extraído do livro “Português prático: escreva corretamente” do professor João Jonas Veiga Sobral – São Paulo: Iglu, 2010

SOBRAL, João J. V. Português prático: escreva corretamente. São Paulo: Iglu, 2010

CONCORDÂNCIA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Certo ou errado?

A aula premiada deste mês nos foi enviada pelo professor Pedro Albuquerque, de Manaus, que trabalha a relação entre o estudo da concordância e o das variantes linguísticas.

A proposta da aula é provocar no aluno reflexão sobre as possibilidades de uso do idioma e sobre a língua como agente formador de identidade cultural.

Espero que goste e fique entusiasmado a nos enviar a sua aula.

Concordância e variante linguística


Cuitelinho

Cheguei na beira do porto
Onde as ondas se espáia
As garça dá meia volta
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai, ai
Aí quando eu vim de minha terra
Despedi da parentaia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes bataia, ai, ai, ai
A tua saudade corta
Como aço de navaia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
Os óio se enche d`água
Que até a vista se atrapaia, ai, ai, ai

  1. Peça a eles que transcrevam as relações de concordância transgressoras da norma culta.
  2. Discuta com os alunos o conceito de a variação linguística ea relação estabelecida entre discurso e identidade.
  3. Analise com o grupo a adequação ou não do discurso ao eu poemático da canção.
  4. Peça que transcrevam o texto de acordo com o que prescreve a norma culta.
  5. Faça um quadro comparativo e observe com o grupo se houve ou não perda de lirismo no texto
  6. Solicite aos alunos que pesquisem os diferentes registros orais da concordância verbal para que analisem as possibilidades em que se dá a relação sujeito e verbo.
  7. Proponha texto narrativo em que o narrador emprega a norma culta e as personagens da canção ( eu lírico e a amada) empregam a variante popular e regional. Esse tipo de exercício pode ajudar a compreender a relação entre discurso linguístico e identidade.

Exercício

Peça aos alunos que analisem a canção Saudosa Maloca de Adoniram Barbosa à semelhança do que se fez em Cuitelinho.

Saudosa Maloca

Se o senhor num tá lembrado
Dá licença de contá
Ali onde agora está esse adifício arto
Era uma casa véia, um palacete assobradado
Foi ali, seu moço
Que eu, mato Grosso e o Joca
Construímo nossa maloca
Mas um dia, nós nem pode se alembrá
Veio os home c'as ferramenta, o dono mandô derrubá
Peguemo todas nossas coisa
E fumo pro meio da rua
Apreciá a demolição
Que tristeza que nóis sentia
Cada táuba que caía, doía no coração
Matogrosso quis gritá, mas em cima eu falei
"Os home tá com a razão, nóis arranja outro lugá"
Só se conformemo quando o Joca falô
"Deus dá o frio conforme o cobertô"
E hoje nóis pega as paia
Nas grama dos jardim
E pra esquecê nóis cantemo assim:
Saudosa maloca, maloca querida
Qui dim donde nóis passemo
Os dias feliz da nossa vida

LÍNGUA PORTUGUESA COM MÚSICA

A conotação – A força da água

Trabalhando a figuração

A figuração na construção de sentido

As letras das canções populares aliadas a fatos da língua e a textos literários podem criar ambiente propício para aprendizagem e tornar o estudo mais interessante. Algumas canções dialogam de forma explícita ou implícita com as estéticas literárias ou com os recursos linguísticos que os escritores da diversas escolas empregam em seus textos.

A canção “Planeta Água” composta por Guilherme Arantes e interpretada maravilhosamente por Céu pode servir de mote para o estudo da conotação, das funções referenciais e poéticas ,da introdução ao conceito de literatura e de estruturas línguísticas que compõem o texto.

Planeta Água

Céu

Composição: Guilherme Arantes

Água que nasce na fonte
Serena do mundo
E que abre um
Profundo grotão
Água que faz inocente
Riacho e deságua
Na corrente do ribeirão...

Águas escuras dos rios
Que levam
A fertilidade ao sertão( 1)
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população...

Águas que caem das pedras
No véu das cascatas
Ronco de trovão
E depois dormem tranquilas
No leito dos lagos
No leito dos lagos...

Água dos igarapés
Onde Iara, a mãe d'água
É misteriosa canção
Água que o sol evapora
Pro céu vai embora
Virar nuvens de algodão...

Gotas de água da chuva
Alegre arco-íris
Sobre a plantação
Gotas de água da chuva
Tão tristes, são lágrimas
Na inundação... (2)

Águas que movem moinhos
São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra...( 3)

Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água...

Água que nasce na fonte
Serena do mundo
E que abre um
Profundo grotão
Água que faz inocente
Riacho e deságua
Na corrente do ribeirão...

Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população...

Águas que movem moinhos
São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra...

Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água
Terra! Planeta Água...(2x)

Proposta:

Iniciar a aula com o provérbio “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura” e explicar aos alunos o caráter moral e figurativo do texto. Propor que expliquem o significado poético de “água” e sua plurissignificação. Em seguida ,elenque as possíveis interpretações figurativas em um quadro e proponha a transcrição do provérbio para linguagem denotativa.

Discuta com os alunos os dois quadros ( conotativo e denotativo) e analise os efeitos de sentido provocados pela linguagem figurada. Neste momento , seria interessante explorar o conceito de polissemia e plurissignificação para que se sedimente a noção de funções poética e referencial da linguagem.

Apresente a canção e solicite ao grupo que analise a denotação e a conotação em “água”. Espera-se que seja observado o percurso ou o ciclo da água como metáfora do percurso do ser humano.

A canção propõe figurações interessantes:

1 – Gradação: fonte, riacho,ribeirão e rio metaforizam o percurso humano.

2 - Antítese e metáfora : estabelece relação com os diversos tipos de pessoas que são capazes de praticar o bem e o mal.

3- Metáfora e antítese : estabelece relação com os diversos tipos de pessoas importantes ou simples que ao final de seu percurso terão o mesmo destino.

Gramática:

Vale a pena destacar o emprego da oração adjetiva como agente coesivo e caracterizador no texto. Há duas funções claras: caracterizar a água e promover a continuidade do texto ( refletindo o fluxo da água)

Literatura : O poema Ato de contrição, depois de se confessar do poeta Barroco, Gregório de Matos apresenta o elemento água como metáfora . Vale a pena analisar as semelhanças e diferenças.

Fechamento:

Após a análise da canção, retome o provérbio do início da aula e mostre aos alunos a força figurativa da “água” como metáfora para vida e para os caminhos humanos.

Proponha textos em que sejam empregadas figurações para “água” ou outro elemento da natureza.

Fixação da aprendizagem:

Texto interessante para analisar a metonímia “coração” e a metáfora marítima.

Velas içadas

Composição: Ivan Lins / Vitor Martins

Seu coração é um barco de velas içadas
Longe dos mares, do tempo, das loucas marés
Seu coração é um barco de velas içadas
Sem nevoeiros, tormentas, sequer um revés

Seu coração é um barco jamais navegado
Nunca mostrou-se por dentro, abrindo os porões
Seu coração é um barco que vive ancorado
Nunca arriscou-se ao vento, às grandes paixões

Nunca soltou as amarras
Nunca ficou à deriva
Nunca sofreu um naufrágio
Nunca cruzou com piratas e aventureiros
Nunca cumpriu o destino das embarcações